ANTROPOCENO: AS NOTAS DE JOHN GREEN SOBRE A VIDA

 

Eu já fiz isso antes. Já escrevi resenhas sobre todos os livros do John Green quando era mais nova, em anos longínquos, quando tinha um blog chamado “A garota da página ao lado”. E também no seu sucessor, que não vem ao caso o nome. Mas nunca tinha resenhado notas de rodapé de John Green.

Foi ele mesmo, em “A culpa é das estrelas”, que descreveu o perfeito sentimento de amarmos tanto um autor, que seríamos capazes de ler sua lista de compras. Eu leria a lista de John Green. E amaria.

A verdade sobre “Antropoceno: notas sobre a vida na Terra” é que seu conteúdo são notas sobre o próprio John Green. E quem já leu algum - ou todos - livro seu, sabe muito bem que ele tem o peculiar hábito de nos contar anedotas sobre a vida, sobre cultura e sobre a sua própria existência nas notas de rodapé. E digo que são sobre ele, porque você o lê ali, em pequenas explicações.

Quando as pessoas sentam com um romance dele para ler, esperam emoção, e quase sempre encontram isso e um pouco mais. Mas não neste livro. Essa obra, que agora só chamarei de “Antropoceno”, é muito mais do que você esperaria para chorar. Essa é a essência peculiar, de um autor peculiar.

E se o Antropoceno é o nome dado ao momento dos humanos na Terra. Por que não entender a causa de John Green ser o próprio Antropoceno da literatura atual?

O IMPACTO HUMANO DESDE O ALASCA

O primeiro livro de John Green foi “Quem é você, Alasca?”, mas o que estourou para o mundo foi “A culpa é das estrelas”. E nós vemos a evolução dele, como autor, entre os dois livros. Claramente está ali o apelo do amadurecimento de um autor publicado falando sobre coisas que não podem ficar apenas na imaginação.

Desde então, ler o que Green publica parece simples. Fãs apaixonados - assim como eu - não podem evitar seus livros. E o lançamento de “Antropoceno” pareceu uma aposta arriscada naquele momento.

A verdade é que a pandemia ainda estava acontecendo, e esse era o seu primeiro livro de não ficção. Levando em conta seu trabalho no YouTube e sua versão em podcast, já sabíamos o que esperar. Mas cair de paraquedas também foi uma ótima experiência. E digamos que foi um pouco assim para mim, já que parei de acompanhar seu trabalho nessas plataformas há um tempo.

Impactar o cenário literário neste momento é importante. Ainda estamos vivendo os impactos da pandemia, mesmo que a vida tenha voltado aos padrões anteriores a ela com certa rapidez histórica. E mover esse contexto dentro da literatura é importante.

John Green alcançou seu auge há pouco mais de dez anos. E vale pensar que foi o responsável por mover legiões de jovens às livrarias e ao cinema. Seu momento de estouro no mercado foi auspicioso para vários autores do mesmo estilo, como Rowell, por exemplo. De certa forma, muitos de nós envelhecemos com ele, vendo-o se aproximar dos quarenta lentamente, enquanto amadurecíamos e crescíamos aprendendo sobre TOC, câncer, fugas e literatura moderna e contemporânea. Faz sentido entender quais são os pensamentos dele agora, quase em tempo real, sobre pequenas rotinas que mudamos ou quase perdemos.

DO ALASCA AO FIM DOS DINOSSAUROS

Eu sou viciada em “Jurassic Park”, e um dos textos de Green é justamente sobre o filme. E não apenas sobre o filme, mas sobre como o filme moldou nossa percepção sobre dinossauros de um modo geral.

Em estilo resenha da existência de todas as coisas, classificando-as com estrelas entre zero e cinco. Mais ou menos como avaliamos as nossas leituras em todos os sites e aplicativos do gênero. Bem ao estilo SKOOB.

Entender as percepções de John Green quando crescemos com ele não só faz sentido porque, obviamente, crescemos com ele. Entender as percepções dele sobre a vida fazem sentido porque passamos a entender todas as nossas ideias pré-definidas até então.

Como um exemplar da espécie humana que tem prazer em conhecer e entender o que podemos chamar de “cultura inútil”, John Green tem um leque interessante de informações sobre a vida na Terra para compartilhar. E elas remetem desde os dinossauros.

Claro, ele fala sobre coisas que o interessam. Explica sobre como entendemos errado quase tudo sobre velociraptors (por culpa de “Jurassic Park”), divaga sobre a visão de negócios de uma marca de refrigerantes (e como estamos tomando um tipo açucarado de remédio ao ingeri-los) e chega em reflexões sobre o agora (afinal, novas pandemias não foram descartadas pela ciência).

John Green não molda nossas personalidades ou influencia o caráter que temos. Mas John Green chega bem perto de cutucar o fluxo de raciocínio humano em trezentas e tantas páginas. Como pensamos e porque pensamos. E é fascinante ver isso crescer entre um ensaio sobre a sua vida pessoal e outro.

ATÉ LOGO, ALASCA

Enquanto transita entre suas percepções e noções pessoais sobre a vida na Terra, John Green faz algo muito interessante: unifica seu público.

Figuras que transitam entre muitas plataformas de comunicação tendem a ter diferentes públicos em cada uma. Leitores juvenis de Green, dificilmente estão interessados em seus devaneios sobre a vida. Seu público do YouTube talvez não seja mais o alvo de romances sobre jovens amadurecendo. Mas se seus leitores jovens compram este livro pensando que irão encontrar personagens que nasceram no mercado desde “Quem é você, Alasca?”, eles se chocam com uma nova versão do autor.

Tal como seu público de outras redes, um público que consome seu conteúdo de outra forma, encontra versões mais jovens do autor dentro de ensaios sobre a Disney, por exemplo.

Escrevi, há alguns anos, um texto guia sobre como é possível encontrar John Green em outras obras clássicas da literatura. O guia era bem claro, especialmente porque ele mesmo fala sobre esses livros em seus próprios livros. Mas e aquelas peculiaridades que só podemos saber quando lemos as suas notas de rodapé ou vemos suas entrevistas, ou acompanhamos seu conteúdo fora dos romances sobre jovens?

Acho que esse foi um risco feliz que ele assumiu. Acho que foi um acerto maravilhoso. Foi como ler sua lista de compras, mas de uma forma muito mais curiosa e interessante. Creio que isso o amadureceu dentro do mercado literário. E quando digo isso, não quero dizer que ele era um autor imaturo, ou que suas obras não eram levadas a sério. Pelo contrário.

O amadurecimento de John Green no cenário literário tem a ver com entendermos ele por fora do papel de autor. E também tem a ver sobre esperarmos dele mais conteúdo escrito que cruze públicos e saia das saias de jovens que não sabem entender seus primeiros amores.

Por outro lado, me faz questionar se esse é um ponto final na carreira de autor de romances jovens. Me parece que muito mais pode ser criado, e que agora podemos ver ele por uma nova lente de aumento, mesmo como autor de romances jovens.

Facilmente entre os melhores livros do ano - e da minha vida -, “Antropoceno” é como este blog: reúne informações em versão de resenha sobre coisas que autores de romances aprendem, estudam e amam. “Antropoceno” é, ao meu ver, um livro sobre um autor, escrito para autores. Mas também é facilmente apreciado por leitores exigentes, curiosos incorrigíveis e amantes de aplicativos literários.

♥ Olive Marie

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