VIVENDO NA BORDA: O LIVRO MAIS DIFÍCIL DA MINHA VIDA

 


A vida é, majoritariamente, uma experiência peculiar entre a união de tentar ter felicidade o máximo de tempo possível e enfrentar dores corrosivas. E é impossível dizer que a primeira opção foi a minha escolha ao ler este livro…


“Vivendo na borda” foi escrito por Mary Lopes, e foi com um propósito muito claro: educar as pessoas sobre o Transtorno de Personalidade Borderline. E viver na borda é o que pessoas com essa condição psicológica fazem. Sempre às margens desse oceano chamado existência.


Lidar com o Borderline (e vou chamar assim apenas) não é fácil. Seja para quem tem o diagnóstico ou para quem convive com a pessoa diagnosticada. E ser uma mãe a escrever isso… A dor que sinto só em pensar me deixa sem forças.


No entanto, a infinita dúvida que tive, se resenhava esse livro ou não, não nasceu da empatia pela dor da mãe que se vê obrigada a escrever um livro inteiro, só para que outras pessoas se conscientizem sobre a condição. Muito pelo contrário.


Minha dúvida veio de um lugar diferente. Um lugar de anos ao lado da pessoa do livro. De uma vida inteira, na verdade. A dúvida veio de um lugar umbilical, uma memória reservada e o intenso pensamento: “o que a Mariana faria?”.


Pois bem… Você deve estar pensando: “é só uma pessoa que inspirou um livro. Qual a grande questão?”


Se fosse o inverso: o que a Mariana faria?


MARIANA


Decidi que a Mariana faria o mesmo. Decidi que era assim que seria, porque sei como ela era. E mesmo que não fosse de uma forma pública (como estou me prestando a fazer), ela me resenharia.


Mariana me resenharia nas páginas do próprio livro sobre mim. Me resenharia dentro de si enquanto ouvia músicas que eu amava, ou lia livros que eu gostava. Possivelmente até me resenharia em seu perfil do Instagram, enquanto postava fotos da nossa infância e divagava sobre saudade.


O que você pode descobrir com facilidade, sem nem mesmo ter lido o livro, é que ela faleceu em 13 de junho de 2022. Um dia depois do dia dos namorados. Um dia depois de uma das datas que eu mais amava.


E dói. Dói em excesso pensar na simbologia do calendário desta data… 14 de fevereiro é dia de São Valentim. O homem que se rebelou contra a Igreja e fez casamentos escondidos, empenhado em unir jovens casais que se amavam. Essa data é comemorada, em quase todos os países do mundo, como o dia dos namorados. Curiosamente, também é o meu aniversário.


Mariana nasceu dez dias antes de mim. No mesmo mês, no mesmo ano. Em um ambiente muito parecido, já que o círculo social era o mesmo. Já que nossas mães eram amigas. Já que nossas histórias tinham mais semelhanças do que o esperado…


Voltando a datas: eu sou apaixonada pelo dia de São Valentim. Não pelo meu aniversário, mas porque (apesar de ser o aniversário de morte do santo) é romântico. Porque as pessoas ao redor do mundo comemoram e festejam o amor. Dia 12 de junho o Brasil se une para comemorar o amor também, e dia 13 ela partiu. E dia 14 eu completava 25 anos e quatro meses de vida. E quatro era o número dela, do aniversário dela. Mas em fevereiro.


E o que isso importa? Pessoas com Transtorno de Personalidade Borderline precisam manter certa rotina, certo padrão. E existe um padrão mais peculiar?


OS PADRÕES DO BORDERLINE


Feito meu desabafo pessoal sobre a curiosidade de datas, números e sentimentos, vamos falar sobre o transtorno em si…


De uma forma bem superficial, podemos descrever o Borderline como uma mudança brusca de humor e sentimentos. Essa mudança, que acontece entre um piscar de olhos, parece ser o sintoma mais famoso da condição, mas na verdade é só parte do processo.


Borderline é uma condição psicológica que precisa de acompanhamento médico constante, porque não passa apenas pelas mudanças de humor. A condição caracteriza problemas mais sérios, como a percepção de um vazio existencial que se volta para a personalidade da pessoa diagnosticada.


Mudanças de pensamentos, ideias e personalidades em busca de adequação também fazem parte do processo de vida. E não de uma forma simplista como as pessoas não diagnosticadas passam, mas sim de uma forma intensa e incontrolável.


Distorção de autoimagem, medo do abandono e crises intensas entre depressão e adrenalina também são parte do diagnóstico. Tudo isso de forma muito densa, muito fora do alcance de limites. Tudo isso dentro de uma ânsia de viver que se mescla com pensamentos suicidas que surgem de repente.


“Vivendo na borda” é um livro biográfico? Sim. Ele conta sobre experiências pessoais de Mariana e de sua mãe, Mary, ao lidar com o diagnóstico. Também reúne relatos, poemas e percepções sobre ela em um capítulo inteiro. A prova de que ela não estava sozinha. A prova de que era amada incondicionalmente.


O capítulo mais doloroso da minha vida.


Ler a Mariana pelas palavras de outras pessoas ainda é assustador. E é assustador porque eu estive lá no seu crescer e envelhecer. Estive lá e a vi se encher de vida, ser feliz, ser triste, ser raivosa. Estive lá e sempre estarei - porque apesar de ter partido, elas sempre será parte de mim.


Ler a Mariana nas palavras alheias, me fez pensar em coisas demais…


ELA E NÓS


“Vivendo na borda” é um livro lindo, mas no momento mais doloroso da vida de todos nós que a tivemos por perto. E isso acontece porque ninguém quer viver sem as pessoas que amam.


E eu sei o que você deve estar pensando… “Pobre coitada! Foi suicídio.”


Curiosamente, não foi. E não é uma opinião pessoal, é um fato. Não me cabe, aqui, de forma pública, expor a causa da morte. Porque esse é um detalhe de importância no livro - e também porque fala muito sobre nós e nossas compreensões sobre ela. E se você não puder - ou não quiser comprar o livro -, não lhe cabe muito os detalhes de toda a situação.


O grande ponto de impacto dessa resenha é: a importância de falarmos sobre saúde mental nos dias de hoje.


A questão é que precisamos parar de romantizar a tristeza alheia porque parece que pessoas tristes criam artes melhores. Também precisamos parar de banalizar transtornos de personalidade e diagnósticos psicológicos só porque não são palpáveis, como um corte no braço ou um transtorno físico.


Eu gosto de me imaginar como uma pessoa abençoada… Entre todas as pessoas incríveis que estão na minha vida, algumas delas apresentaram questões impossibilitantes sérias. Questões que me fizeram ser uma mulher muito mais consciente e engajada na causa de direitos iguais.


Apesar de já ter nascido com um olhar simplista e igualitário sobre causas de inclusão e debate, conhecer algumas pessoas específicas me fez ser a amiga chata que milita sobre causas sociais, inclusão social e manutenção da saúde mental. E a Mariana foi uma dessas pessoas.


Talvez a principal mensagem social do livro seja: só porque alguém parece não controlar suas emoções tão bem quanto você, não quer dizer que ela seja louca. Especialmente porque loucura não é um adjetivo educado ou correto. E também pode ser amplamente interpretado. Mas em certos contextos, é um termo excessivamente ofensivo. Talvez até capacitista.


Incapaz de compartilhar meus textos pessoais sobre ela - porque quero ser egoísta e guardar para mim a mulher que sei que ela foi -, decidi que não daria à sua mãe um texto ou reflexão sobre ela. Mas levarei sempre comigo a missão de contar a todos quem ela foi, e o quanto sua vida foi importante para conscientizar e iluminar diagnósticos. Assim como foi de tripla importância no contexto particular.


Ela era uma galáxia inteira. Com todos os seus defeitos e qualidades, Mariana foi muito mais do que se pode ler neste livro, eu te garanto. Mas também te garanto que me faltam palavras para escrever uma resenha mais imparcial. Jamais somos racionais quando o amor está sendo colocado em jogo.


Eu não sou capaz de dar cinco estrelas para este livro. Para ele, eu já dei todo o meu céu noturno.


♥ Olive Marie


PS: é curioso pensar que ontem (13 de agosto) foi dia dos pais, e também completou um ano e dois meses da sua partida. Também é curioso que hoje é dia 14, o que quer dizer que estou completando 26 anos e seis meses de vida. Um ano e dois meses sem ela, levando em conta que passamos toda a nossa vida juntas - com uma amizade sempre real e presente, que carecia de fotos juntas mas incluia muito amor. O curioso é que me dei conta disso enquanto escrevia esta resenha… Acho que os números serão sempre uma marca peculiar em nossas vidas. Que você descanse em paz o dobro hoje, meu pequeno pedaço de amor.


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