LYGIA CLARK: DO PÓ A ARTE

 




Eu aprendi a escrever com quatro anos de idade, alfabetizada por uma mãe pedagoga, e desde então, nunca mais parei. E ter aprendido a escrever muito cedo me possibilitou catalogar memórias por datas.


Com o hábito de manter diários e fazer pequenas anotações sobre meus dias, já adulta, sou capaz de saber quando conheci arte, quem foram meus "momentos canônicos" e porque me apaixonei por suas obras.


Mesmo que feitas de forma infantil e simplista, minhas anotações da infância me permitem saber que tinha oito anos quando fui apresentada ao trabalho de Frida Kahlo; que tinha sete quando descobri Jane Austen e nove quando li “O diário de Anne Frank” pela primeira vez. Sei quem me apresentou cada uma dessas figuras maravilhosas…


E por isso eu sei que aos dez anos (poucos dias antes do meu aniversário de onze), minha professora de artes (uma mulher completamente viciada em Van Gogh), ensinou os movimentos de vanguarda para a minha turma. Entre eles, o Neoconcretismo.


Lygia Clark chamou muito minha atenção, e desde então, admiro sua obra e sua criatividade. E é por isso que hoje quis escrever sobre ela. Lygia Clark merece esse espaço.


OS SEGREDOS DOS INCONFIDENTES


A inconfidência mineira não tem muito a ver com Lygia Clark, exceto que ambos compartilham o estado de Minas Gerais como berço, afinal, ela nasceu como Lygia Pimentel Lins, em 23 de outubro de 1920. Vinda de uma família de Belo Horizonte, onde a família tradicional brasileira se prolifera com orgulho recatado, Lygia tinha berço de classe alta, e teve uma infância privilegiada em quesito financeiro, mas foi oprimida em quase todo o resto…


Com um pai abusivo e muitas vezes violento, no contexto de uma classe social cheia de regras e uma das capitais mais tradicionais do país, Lygia se sentia antiquada e se refugiava no desenho e na arte, desde muito nova.


Aos dezoito se casou e aos vinte e sete, quando finalmente foi estudar arte livremente, já era mãe de três. Foi morando no Rio de Janeiro, longe do contexto tradicional mineiro, que Lygia Clark (sobrenome do marido e adotado para o resto de sua vida artística) conheceu Roberto Burke Marx e Zélia Salgado. Foi com eles que Lygia estudou arte, antes de finalmente seguir para Paris.


PARIS: A CIDADE DOS ARTISTAS ESQUECIDOS


Como qualquer artista ou aspirante a artista de seu tempo, Lygia Clark chegou a Paris no início da década de 1950, em busca de conhecer e se aventurar pelas vanguardas europeias. E foi na conclusão de seus estudos que ela encontrou inspiração inicial para a artista que viria a se tornar.


Ao voltar para o Brasil, Lygia Clark conquistou dois marcos pessoais: sua primeira exposição individual, com direito a prêmio como artista do ano; e seu divórcio. Mas os anos 50 dispunham do modernismo arquitetônico, da música nacional sendo aclamada e do concretismo nascendo. E foi no Grupo Frente que Lygia começou a se encontrar verdadeiramente como artista.


Já perto dos anos 60, Lygia Clark se uniu ao Movimento Neoconcreto. Foi com a série Bichos (uma das suas obras mais famosas) que o auge chegou, e Lygia Clark se tornou, oficialmente, uma artista tridimensional.


OBRA FINAL: UM ADEUS AOS ANOS DE CHUMBO


Lygia Clark já tinha se entregado a arte performática e era uma artista internacional. Se Minas Gerais já tinha ficado pequena há anos, o Rio de Janeiro, agora, era um farelo para a sua arte. E com a chegada da Ditadura Militar e os direitos do povo sendo tolhidos, Lygia se juntou ao grupo de artistas e intelectuais que fugiram do Brasil – rumo a Europa – para salvar seu direito de criar.


Amante do conceito de que arte deveria ser de acesso fácil – e provavelmente notando o desfalque artístico que a Ditadura Militar trouxe ao Brasil –, Lygia Clark voltou ao Brasil em 1976 para que o povo tivesse sua arte em fácil acesso. Estabeleceu, então, o método terapêutico (alternativo): Estruturação do Self.


Perto do fim da vida, nos anos 80, Lygia tinha visto muitos dos amigos artistas falecerem e enfrentava problemas de saúde e financeiros, enquanto fazia atendimentos particulares com sua terapia alternativa inovadora. Deteriorada internamente pelo excesso do álcool, aos 67 anos, seu infarto foi fatal.


E tendo participado de mais de um movimento artístico nacional, Lygia Clark deixou para trás uma arte de proporções gigantescas. Foi uma das principais artistas do século XX e até ganhou uma música de Caetano Veloso. Clark renunciou a nomenclatura “artista” e era a favor do coletivismo artístico por meio da democratização e da acessibilidade artística, sendo contra a ideia de que sua arte deveria estar em museus.


E parafraseando aquela professora, que aos 10 anos me apresentou Lygia Clark: “ela gostava de concreto, de tridimensão e de possibilidade… o que seria Lygia Clark, se não uma arquiteta da arte nacional?”


Olive Marie ♥

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