FRIDA KAHLO - PARTE 1: O NASCIMENTO DE UMA ARTISTA

 



Amantes da arte se sentem ofuscados pela quantidade absurda de material sobre Frida Kahlo que têm surgido nos últimos anos. Isso porque a pintora começou a ganhar mais destaque com o aumento das discussões sobre feminismo e igualdade de gêneros, além da valorização da cultura latina.


Abrir espaço para Frida Kahlo em um cenário tão promissor para a evolução e a melhora gradativa parece inspirador. Mas nem todos os debates podem ser assim tão abertos aos pensamentos de Kahlo.


Apesar da sua óbvia luta no partido comunista mexicano, da sua valorização feminina e da sua sexualidade nem um pouco secreta, Frida Kahlo se distancia de algumas ideias que hoje parecem óbvias ao movimento feminista. Sua imagem vinculada a produtos comerciais da cultura pop podem até fazer com que ela se revire no túmulo, com todo esse capitalismo direcionado ao seu rosto e suas obras, mas não vai além disso no contexto do seu tempo também.


Hoje eu te ajudo a entender os funcionamentos emocionais de Frida Kahlo, e a aceitar algumas características óbvias da sua personalidade não tão militante assim.


INFÂNCIA LIVRE E DESCOBERTA DA INCLUSÃO


Nascida em 6 de julho de 1907, Magdalena Carmen Frieda Kahlo Y Calderón, era a terceira 

filha de uma família mexicana cheia de amor e compreensão no coração. Foi ainda na infância que Guilhermo, pai de Frida Kahlo, se viu frustrado com a falta de um filho na família abastecida de mulheres, e para compensar essa ausência que o pai sentia, Frida tomou o lugar do menininho que ele ansiava ter.


E é importante frisar que isso foi crucial para o amadurecimento social de Frida, já que em sua casa as distinções de gênero usuais na sociedade da época não apresentavam tanta relevância. Mesmo depois de adulta, se divertia se vestindo de homem e compartilhando com o pai comportamentos que seriam condenados em ambientes mais tradicionais. Mas na família Kahlo Y Calderón isso nunca foi visto como um problema.


Para além dessa criação livre em sua infância, Frida sofreu com a poliomielite durante a infância, ficando semanas acamada e tendo sua perna permanentemente afligida pela doença. O bullying que se seguiu a isso a manteve longe das outras crianças do bairro, mas deixou uma grande impressão de sua força pessoal, tornando Frida Kahlo não só uma pessoa mais introspectiva, mas uma pessoa com deficiência que assumia e aceitava seu corpo.


O período em casa fez de Frida uma amante ainda maior das fotografias que o pai fazia, e após sua recuperação, longe dos deveres domésticos que outras senhoritas aprendiam, Frida Kahlo se dedicava a acompanhar o pai em seu estúdio fotográfico e aprender sobre arte e literatura.


Debates sobre inclusão fizeram de Frida Kahlo um ícone para pessoas com deficiência em todo o mundo, porque apesar de não ter tido tal tema em sua época para abordar no ambiente político, a realidade é que sua necessidade de adaptação fizeram dela o despertar de corpos com deficiência no ambiente da moda. Com uma bota própria que a acompanhou por toda a vida, o andar coxo de Kahlo era amparado por diversas formas de inclusão já naquele tempo. Muito antes dos debates.


Com uma infância livre de estereótipos, um lar que a incluía e inspirava, incentivando seu lado mais artístico e lhe dando força e armas para enfrentar o mundo do lado de fora, Frida Kahlo foi uma das primeiras meninas a ingressar em um colégio preparatório que acolhia jovens promissores e intelectuais de todo o México. Até que mais uma catástrofe atingiu seus dias.


A EXTENSÃO DA SUA DEFICIÊNCIA LOCOMOTORA E DA SUA ARTE


Em uma realidade alternativa de um México onde Frida Kahlo não se casou com Diego Rivera, infinitos pacientes foram atendidos pela doutora Kahlo Y Calderón. E essa é uma realidade que quase saiu do universo alternativo para a realidade em que vivemos, se Frida não tivesse sofrido um grave acidente de bonde quando tinha 18 anos.


No caminho da escola para casa, em um dia típico na vida da jovem aspirante a médica, o bonde em que estava se chocou em um terrível acidente de trânsito, e o corpo de Kahlo foi transpassado ao meio. Uma viga interna do bonde, feita de ferro, atravessou o corpo de Frida, empalando-a da área íntima até a parte superior de seu corpo.


Tendo sobrevivido por um milagre, Frida se viu novamente presa à cama, mas dessa vez em um hospital. E foi nesse momento que seu pai teve a brilhante ideia de lhe presentear com um cavalete completamente adaptado às suas necessidades, junto com um espelho que lhe serviria para se manter vaidosa. Mas a dupla “espelho e cavalete” levaram Kahlo para outro patamar: ela se encontrou como artista.


Inspirada por si mesmo, ali nasceram os primeiros autorretratos da artista, e seu gosto por arte foi se intensificando ainda mais, levando em conta que Frida Kahlo de 18 anos já andava rondando e nutrindo sentimentos silenciosos por um certo muralista mundialmente famoso, e muitos anos mais velho: Diego Rivera.


Frida conheceu Diego antes de seu acidente, mas sua relação só nasceu e evoluiu bem depois da sua completa recuperação. De qualquer forma, foi a própria Frida quem disse que sofreu dois grandes acidentes em sua vida: um foi o bonde que lhe dilacerou o corpo, e o segundo foi Diego, que lhe dilacerou o coração.


E com uma extensão tão ampla da sua deficiência ficando evidente a cada dia, Frida Kahlo se viu adaptando a própria vida às exigências do corpo e da alma, e foi na arte que encontrou refúgio. Muito estimulada por Diego, a paixão de Frida pela pintura se elevou e, rapidamente, sua facilidade em pintar a si mesma se tornou sua marca registrada, e como tal, foi ganhando as versões mais inusitadas sobre todas as dores que carregava.


SEU DESTAQUE FEMININO NA MILITÂNCIA


Sempre sendo guiada por Diego Rivera nos ambientes sociais intelectuais, Frida se descobriu socialista e uma grande fã de Karl Marx durante o início de seu casamento. Estimulada a ingressar nos círculos sociais do marido e a participar ativamente das reuniões do partido comunista, Frida Kahlo nasceu como uma ativista dos direitos iguais e uma mulher imensamente politizada para o seu tempo.


Nas décadas em que Frida era jovem, o foco político não era no feminismo, mas sim nas grandes guerras que rondavam o globo terrestre e nas ditaduras que pipocavam em todos os cantos. Com a Revolução Russa tendo sido a mais recente força comunista a ganhar destaque e - aparentemente - funcionar muito bem, países em todo o mundo tentavam reproduzir o sucesso da União Soviética.


Com o governo mexicano muito instável já na época do nascimento de Frida, ela mesma recusou sua data orginal de nascimento e se dizia nascida anos mais tarde, quando o país tomou o rumo político que a Frida Kahlo adulta acreditava ser o correto.


No entanto, apesar da força feminina política que Frida representava, nem sempre foi assim. Afinal, a Frida que se casou com Diego Rivera não estava interessada em política ou em liberdade para o seu povo. E mesmo que a ideia vendida sobre a imagem de Kahlo seja a de uma mulher apaixonada pelo partido comunista e representante dos direitos femininos, a realidade era outra naqueles primeiros anos da maturidade.


Fosse pela idade muito jovem ou por falta de interesse, Frida Kahlo se casou na expectativa de ser uma sombra na vida de Diego. Em sua biografia oficial, escrita por Hayden Herrera, a personalidade marital da artista ganha uma luz especial. A verdade conjugal e pessoal de Frida é que ela estava ansiosa por ser dona de casa, mãe e esposa. E nada mais.


Frustrada com a impossibilidade da maternidade e ainda mais decepcionada com a insistência de Diego em não lhe apresentar como “senhora Frida Rivera”, mas sim como Frida Kahlo, sua alma foi ganhando força política e pública por insistência do marido. Foi Diego, inclusive, o responsável por divulgar as obras de Frida e a instigar a se tornar uma pintora de renome. No seu íntimo, Frida Kahlo não tinha interesse na militância ou na política de forma direta, exceto quando era estimulada a ter tal ideia.


E é assim que te deixo ciente de que a obra de Frida não foi política, mas sim existencial. Sua jornada como mulher e como ativista nasceu depois, tal como a real valorização de sua arte pelos seus próprios olhos e sua compreensão do intelecto individual para além do imaginário que Diego causava.


Com tantos aspectos sobre sua vida e personalidade, a Parte 2 da biografia de Frida Kahlo precisava ser feita, pronta para explorar sua relação com Diego, sua real visão da sua arte e o seu foco político, tal como sua imparável degradação de saúde. E a Parte 2 será lançada na próxima semana, na sexta para ser mais exata, neste mesmo horário.


♥ Olive Marie

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