PARAMORE, “RUNNING OUT OF TIME” E A VOLTA DAS REFERÊNCIAS

 


Sou nova demais para ter visto o auge das minhas bandas preferidas, mas velha demais para entender como funciona a divulgação de músicas hoje em dia. Então, meu plano de começar esse texto falando sobre se você soube ou não da volta do Paramore, me parece demais.


Parando para pensar, talvez você nem saiba o que é Paramore. Então vamos do começo…


Depois da morte do Kurt Cobain, em 1994, o movimento grunge começou a dar passos para trás e se tornou um grande fenômeno que fez muito sentido nos anos 90. Mas só lá. Perder a figura mais popular do movimento levou o rock para um submundo macabro, condenando os fãs do estilo a se perderem de volta em suas próprias tribos.


Sim, o Foo Fighters nasceu poucos anos depois. A Audioslave também surgiu, e lógico que o Pearl Jam sempre foi um marco e continua sendo. Mas o grande destaque do grunge tinha se perdido, e com o grande excesso de perdas que o rock teve nos anos 90, foi fácil o pop entrar pelos rádios com suas letras sem tanta profundidade, sua aparência sexualizada (independente do gênero, mas muito mais nas mulheres) e seu ritmo dançante. E os vários braços do rock foram morrendo, como um tipo de polvo que se despedaçou aos poucos.


Mas as crianças dos anos 90, aquelas que queriam ser como seus parentes mais velhos e jovens, e que só alcançaram a adolescência nos anos 2000, tentaram a todo custo ter de volta algum desses movimentos.


Fãs de metal se isolaram do resto do cenário musical; fãs de grunge tiveram que ver seus ídolos se encolhendo e dando espaço da MTV para cantoras magras demais e homens com cheirinho de Johnson & Johnson. Quase toda figura na mídia estava no auge da carreira dupla (trabalhando na Disney e fazendo shows musicais ao mesmo tempo), e quem não se dobrava para o que os canais de clipes estavam se tornando, ficou para trás.


Até surgir o emo. O movimento nasceu no início do século XXI e ganhou um grande impacto até os anos 2010. Estourando bandas nacionais e internacionais, o movimento era um novo braço que surgia no rock, mesmo que fosse difícil aceitar isso em voz alta.


Naquele momento - e volto a dizer que talvez você seja muito jovem para entender o que isso quer dizer -, fãs de rock debocharam do estilo emo e fãs de pop lhe deram as costas. Quem se encontrava no meio, deixava uma franja muito lisa, listras pretas e brancas e tênis Converse dominarem o espaço. Para os movimentos de rock até os anos 90, o emo era muito pop. Para o pop, o emo era muito “gótico” e triste.


Mas, querendo ou não, o movimento se infiltrou por nossos fones de ouvido aos poucos, lançando grandes nomes no cenário musical. E um desses nomes foi o Paramore.


Liderado por uma mulher (que o cenário pop adoraria comercializar), com um som fechado e clipes “macabros”, o Paramore foi de zero a cem muito rápido. E com sua música na trilha sonora de “Crepúsculo” - que na época era o auge do cinema teen -, a banda se destacou ainda mais e ganhou uma visibilidade mundial.


Introdução - necessária ou não - dada, vamos ao que interessa: qual a principal abordagem musical do grupo agora?


SOM


É difícil dizer exatamente onde o grupo está se encaixando no momento. E digo isso porque eles têm uma carreira longa o suficiente para escolherem onde querem estar.


Apesar do seu começo ter sido no emo, o grupo teve uma fase bem pop e também alguns momentos mais pesados, com ritmos mais focados em um rock esquecido pelas novas gerações, com batidas mais pesadas e vocais mais gritados. Hoje eles parecem mesclar bem tudo que já foram, e assim criaram algo quase novo.


Quase porque o clipe que mais se destacou nesse novo momento do grupo foi “Running Out of Time”. E a primeira coisa que pensei quando ouvi a música foi em “Dog Days Are Over”.


Florence + The Machine é uma banda de indie rock britânica, com um estilo muito único e charmoso, e que em 2010 lançou o clipe “Dog Days Are Over”. E se você já ouviu as duas músicas, sabe muito bem onde quero chegar.


Com letras que falam sobre um momento da vida cotidiana que se torna algo muito maior, a sonoridade das músicas também são parecidas. Fortes e corridas, com instrumentos marcados, mas com diminuições repentinas que permitem a pessoa que está cantando dar dicas aos ouvintes sobre a letra em si.


Esse é um tipo muito difícil de se agradar quando estamos falando de música, porque diminuir a frequência instrumental de repente e voltar com ela de repente também, usando do artifício de uma letra gritada, pode ser a receita perfeita para a catástrofe. Por sorte, ambas as músicas não são um fracasso e sim um sucesso.


Algo nas movimentações do clipe também me lembrou da música de Florence, porque tem muito de ritos ali, com o círculo andando ao redor de uma Hayley Williams de chifres, me fez pensar em rituais religiosos pagãos. Tal como as figuras que lembram deuses hinduístas no clipe de “Dog Days Are Over”.


“LDN” também foi uma música que me veio à mente. Isso porque Lily Allen foi genial ao brincar sobre a visão dos turistas e a realidade da Londres cotidiana em seu clipe. Açucarando a vida porque ia ver alguém que amava, e perdendo o brilho quando isso não aconteceu. Em “Running Out of Time” o visual do clipe parece ter a mesma ideia. Tudo ali só está acontecendo na cabeça da Hayley Williams, e provavelmente pelo excesso de estresse que os dias nos dão.


É como sua toca do coelho particular.


EASTER EGGS EMO


E falando em coelhos, que tal falar do Coelho Branco? Afinal, o clipe todo nos faz pensar em “Alice no País das Maravilhas”. Quando Williams entra dentro do estojo do violão, ela cai em um lugar muito peculiar… Um jardim cheio de arbustos em formato de animais, pessoas que se estendem como elástico e andam em pernas de pau, e o clima todo nos faz pensar em algo que Lewis Carroll teria criado.


Como não pensar com todas aquelas referências maravilhosas da história de Alice? E se a música diz que nunca tem tempo para nada, você não pensa automaticamente em um Coelho Branco? Até os relógios de bolso estão lá!


Voltando aos ritos religiosos pagãos, precisamos falar da referência de “Midsommar”, na mesma cena que me fez pensar em “Dog Days Are Over”. E isso precisa estar aqui, nesse momento, porque a verdade é que, enquanto Florence foi para o hinduísmo para criar um visual instigante para o público ocidental em seu clipe, o longa de Ari Aster recria o visual de pagãos do norte da Europa no longa “Midsommar”.


Se falamos de ritos, penso em Florence. Mas se falamos de imagens claras, é obviamente Ari Aster gritando na tela durante o círculo ao redor de Hayley Williams. E talvez essa seja a referência menos emo em todo o clipe, porque também penso muito na estética de Tim Burton quando vejo o quadro todo.


Essa coisa de unir o pop ao sombrio também aparece muito na carreira do diretor, e isso acontece porque Burton começou a ganhar as telas na época do grunge, mas seus filmes foram se tornando mais populares a cada dia com a chegada dos anos 2000. Justamente porque a ideia de unir elementos fofinhos a uma estética sombria, e histórias melancólicas, fez dele um dos diretores queridinhos de toda uma geração. Por esse detalhe você já deve imaginar que ele é um ponto de referência para os fãs do movimento emo.


Enquanto o visual de Hayley Williams é completamente direto ao referenciar Vivienne Westwood, os elementos visuais recobram imagens da cultura pop como os arbustos como animais de “Edward Mãos de Tesoura”; olhares melancólicos de todo o elenco do clipe, como alguma animação de Burton. E pensar no quanto Westwood representa para a moda punk, e em como ela se destacou muito no Brasil depois da grande divulgação da marca Melissa.


No início dos anos 2000 e um pouco da década de 2010, a Melissa ficou em foco entre mulheres que estavam migrando do emo clássico para um visual um pouco mais ousado. E isso aconteceu muito pela parceria da marca com a estilista. Então, aqui no Brasil, as proporções são ainda maiores nesse sentido.


É o punk e o emo se mesclando. Mas será que é só isso?


ARTE, ARTE E ARTE


As referências do clipe não param na cultura pop, e essa é a parte mais fascinante. Especialmente porque algumas pessoas vão entender referências diferentes, graças aos contextos diferentes em que vivem.


Apesar de todos os pontos da cultura pop que passaram pela minha cabeça enquanto via esse clipe, a principal impressão que tive foi sobre arte. Afinal, traça de livros de arte sempre nota sobre o meio artístico em coisas como essa. E Paramore é sempre um curioso lugar para se aprender sobre.


Todos parecem ter notado as referências diretas do clipe a obra do surrealismo. Em especial ao pintor Salvador Dalí. Mas foi outro estilo que me veio instantaneamente à cabeça. E estou falando de “O Jardim das Delícias Terrenas”, de Bosch.


Isso porque muito da ideia da tela parece estar entremeada com a história do clipe em si. Até mesmo com a letra. E não que isso tenha sido de propósito, mas é inevitável pensar nessa obra.


A grande questão com a óbvia menção de que a banda fez a cultura pop, a Vivienne Westwood e até a arte - seja ela surrealista ou gótico flamengo -, é que o Paramore fez arte. E de grande qualidade. Tudo isso enquanto descreve um comportamento muito comum nos dias de hoje: a falta de tempo.


Sempre mascarada com desculpas, a falta de tempo se tornou um tóxico mais cruel e danoso do que as drogas químicas, isso porque com tantos estímulos diários (sejam visuais, auditivos ou sentimentais), parece que os dias encurtaram.


Estamos mesmo sem tempo, ou só perdendo ele nas redes sociais? Será mesmo que é preciso fazer duas coisas ao mesmo tempo para sentir que fizemos nosso dia render? E não falo sobre ouvir música enquanto limpa a casa ou ler enquanto anda de transporte público. Precisamos mesmo fazer academia assistindo filmes? Ou responder mensagens enquanto comemos?


A bola de neve da falta de tempo é uma coisa relativa, e só parece mais evidente porque não temos mais horários para fazer as coisas, afinal temos tudo em nossas mãos, o tempo todo. Esse excesso de estímulos causam a perda de horários marcados, o esquecimento de compromissos e o famoso “li/ouvi e te respondi em pensamento”.


Antigamente parecia mais simples porque os estímulos não eram de nosso total controle… Se você queria assistir um filme, precisava alugar ele ou comprar, ou esperar passar na televisão. Você também precisava esperar os créditos finais para saber quem era quem no elenco, ao invés de apenas pesquisar sobre isso em seu smartphone enquanto ainda assiste ao filme.


Não, a tecnologia não é um problema. Mas o excesso dela tem nos tornado pessoas terríveis. Sempre sem tempo… Só lembramos do aniversário de quem amamos porque um alarme apita. E criar uma arte nesse tempo envolve fazer isso enquanto diz que está sem tempo.


A arte criada pelo Paramore realmente ultrapassa barreiras e nos faz pensar… Quando vamos encontrar todas essas referências? Quando pararmos realmente para assistir ao clipe. E só faremos isso quando não estivermos sem tempo.


♥ Olive Marie


[Este post foi feito em memória de M.E.F. Que você descanse em paz, meu anjo.]


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