SRTA. AUSTEN: AS MULHERES POR TRÁS DE LENDAS

 



Existe um ritual muito peculiar em ir até livrarias e tocar em livros físicos, sentir suas texturas é parte disso. Mas outra coisa que acontece no processo, é conhecer novos livros. De forma completamente aleatória.


A ideia de conhecer novas histórias indo em livrarias é milenar, simplesmente porque não tinha como acompanhar todos os lançamentos, de todas as editoras, por um objeto que anda no seu bolso. E foi cumprindo esse ritual maravilhoso - como você da geração nova deve achar bem medieval, afinal: comprar online e kindle -, que eu achei “Srta. Austen”.


Ao ler a sinopse do livro, tive a sensação de que a obra falaria sobre a vida amorosa das irmãs Austen. Pensei que seria uma ficção quase documental da vida de ambas as irmãs Austen, mas me enganei imensamente.


E nunca fui tão feliz e tão triste ao mesmo tempo, em uma só leitura. Tirando, é claro, as vezes em que li livros de Dostoievski. Mas isso é outra história…


A VERDADEIRA SENHORITA AUSTEN


Na minha cabeça, existe um senso comum de que a senhorita Austen é Jane. Não só por ser a irmã mais nova, mas também porque foi Jane quem se destacou entre as duas únicas filhas da família do senhor Austen.


Usualmente, é Jane quem inspira livros, biografias e romances. É Jane a responsável por mudar a história da literatura romântica, e também a responsável por inspirar ideias curiosas sobre sua vida amorosa, que parece jamais ter existido segundo biografias simplistas.


Mas quem, no fim das contas, era responsável por Jane?


Existe um livro pocket sobre a biografia de Jane Austen que se chama “Jane Austen - uma vida revelada”, que conta como Jane Austen conseguiu se “esconder” do julgamento público por tantos anos depois da sua morte, e foi muito simples: Cassandra, sua irmã mais velha e melhor amiga, destruiu todas as cartas ou escritos que poderiam ser comprometedores e afastou com facilidade a possibilidade de escândalos e tormentos póstumos.


Em biografias gerais da vida de Jane Austen, também descobrimos que foi Cassandra a responsável por pintar o único quadro de Jane Austen que sobreviveu, e há quem diga que a pintura não é tão fidedigna, mas é o que temos e isso deve bastar.


No contexto formal da sociedade, sabemos que Cassandra era a senhorita Austen porque era a mais velha, e naquele tempo, a filha mais velha era sempre apresentada apenas com seu estado civil e com o sobrenome da família, enquanto a mais nova tinha seu nome próprio incluso, por isso senhorita Austen e senhorita Jane Austen. Mas na prática Cassandra foi ficando obscura na história, enquanto Jane ganhava força.


Por biografias, aprendemos que Cassandra Austen era quieta e gentil, muito focada em ser prestativa para os outros membros da família, e que abriu mão de um futuro promissor como boa esposa e mãe (que eram as exigências de seu tempo), para passar o resto da vida sendo filha e irmã depois da morte prematura do seu noivo.


Cassandra Austen também não parecia fazer questão do estrelato por ser irmã de Jane Austen, e sempre foi descrita como o inverso absoluto de Jane. Sendo assim, o que sobrou dos relatos familiares, feitos por sobrinhos e sobrinhas das irmãs Austen, Cassandra era gentil, reservada e prestativa, enquanto Jane era crítica, provocativa e independente.


CASSANDRA AUSTEN EM: JANE BENNET


A maioria das biografias sobre a vida de Jane Austen reforçam um pensamento pitoresco e um tanto quanto divertido: Elizabeth Bennet era exatamente como Jane Austen. E se não era exatamente como ela, soa como se sua personagem mais famosa fosse uma extensão de seu corpo e tivesse servido como “seu espírito animal”.


As mesmas biografias, reforçam a existência de Cassandra Austen como uma mulher justa e conscienciosa, que tentava de tudo para ser uma pessoa útil aos entes queridos e que não via uma maldade tão intensa ao seu redor como Jane parecia ver. E isso perpetuou a ideia de que Jane Bennet era Cassandra.


É de conhecimento geral que foi Cassandra a primeira pessoa a realmente amar “Orgulho e preconceito”, e também foi a responsável por compará-lo com “Razão e sensibilidade” enquanto uma trama que falava sobre irmãs. E mesmo que a coisa não seja bem por aí, entendemos que algo disso pode ser usado…


Talvez o amor de Cassandra por “Orgulho e preconceito” seja real porque ela se parecia em temperamento com Jane Bennet, e seu amor de morte prematura, muito talvez, parecesse demais com Charles Bingley.


Seja isso ou não, Cassandra acabou ganhando essa fama, e “Srta. Austen” reforça esse padrão de escrita, colocando o protagonismo da vida de Cassandra como o foco principal da trama. E fazendo dela uma versão muito mais atrevida do que Jane Bennet ousaria ser.


É curioso entender essa ideia, porque ver Cassandra Austen como uma protagonista de romance, ainda mais em uma obra em que ela já está em idade avançada e tenta ao máximo continuar sendo útil para os membros restantes da família, foi uma experiência divertida. Mesmo que, na minha cabeça, a própria Jane Austen já tenha feito Cassandra uma protagonista quando escreveu “Mansfield Park”.


A MULHER POR TRÁS DA LENDA


Dizem que “Mansfield Park” foi o livro preferido de Jane Austen em vida, que ela apreciava mais essa sua obra do que as outras - há quem diga isso também sobre “Emma”, mas só podemos especular -, e talvez seja porque Fanny lembra Cassy (como ela chamava sua irmã).


“Srta. Austen” é uma ode a existência de Cassandra, e também ao seu estilo de vida que foi se adaptando a ela, sem que fosse almejado. A necessidade fez a mulher, e é isso que sabemos.


No livro, pensamos na vida de Cassandra Austen descolada da de Jane. Porque mesmo que o foco principal seja salvar a reputação póstuma da irmã, é Cassandra quem protagoniza o romance, fala sobre amor, compartilha suas visões de vida e explora suas decisões e expectativas.


Jane Austen teria amado esse romance, porque ele colocou sua irmã como uma heroína que não se permitiu jamais ficar em segundo plano. E também afastou as ideias de que Cassandra tivesse inveja da irmã. A teoria de que ela queria que Jane morresse se prova absurda ainda mais por esse ponto de vista, e entendemos sua existência pessoal para além do que seu sobrenome se tornou.


Este não é um livro sobre quem foi Jane Austen, ou sobre o que ela deixou. Este é um livro sobre quem eram as pessoas que ela conheceu, e sobre quem eram as mulheres que estavam escondidas por trás da principal romancista feminina de todos os tempos. Sua família é, apesar de ser de forma bem ficcional, vista como uma célula própria para além de quem teve sucesso.


A mulher por trás da lenda, concluímos, não era Jane Austen sendo uma figura a lá Lizzie Bennet. A mulher por trás da lenda era Cassandra, a irmã e melhor amiga que fez todas as coisas que deveria ter feito, e que garantiu que Jane continuasse viva, mesmo depois de sua morte dolorosa.


♥ Olive Marie

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