CLÁUDIA LESSIN RODRIGUES: BRUTALIDADE DE GÊNERO
Carioca e desprendida dos padrões que a sociedade esperava de si por sua idade e gênero, Cláudia Lessin Rodrigues para sua história ao lado de figuras como Ângela Diniz e Maria da Penha; afinal, a vida de Cláudia foi ceifada, unicamente, por ser mulher.
No podcast “Últimos Passos”, a história completa da vida e da morte de Cláudia Lessin Rodrigues se abre ao público do século XXI pela voz de quem realmente deveria falar sobre: sua família e amigos. E as entrevistas permitiram isso, mas tem mais… O crime de feminicídio ganhou outro patamar aqui.
Para Cláudia, o fim foi ainda mais intenso e brutal, porque, depois de morta, seu corpo sendo içado surgiu em todos os cantos da mídia. O feminicídio sendo vendido, de bom grado, em rede nacional e com impunidade, para um público que lutava contra a Ditadura Militar e que já tratava as mulheres como lixo.
A CAUSA DA MORTE
Aqui não me interessa discursar sobre a arma física do crime. O que quero tentar entender é a razão justificada de forma vã. Em especial, porque sou incapaz de engolir o que foi falado sobre.
Perante a lei, foi possível descobrir que Cláudia se recusou a sair com o filho de um bilionário, e os criminosos quiseram justificar seus atos asquerosos argumentando tal brutalidade por essa razão. Mas o que isso nos mostra?
A única verdade é que a arma do crime foi o gênero. Tanto da vítima quanto dos ceifadores. Porque, se Cláudia fosse homem, sua vida não correria risco só por se negar a ter relações com alguém. E se o playboy fosse uma mulher, a questão teria sido (no máximo) ciúme. Se seus gêneros não fossem o que eram, isso não teria acabado assim.
A ESTATÍSTICA DA ESTATÍSTICA
Em 2024, até o mês de outubro, foram registrados 1.128 casos de feminicídio no Brasil. Em 2023, a média foi de 1.463 casos. São números assustadores, especialmente quando entendemos que foram casos em que a justificativa da morte foi o gênero. E piora, porque a verdade mais assustadora é que vai acontecer muito mais. Sem pausa e sem fim.
A sociedade ainda nos vê como dispensáveis e substituíveis. Ponto. E olha que, sem mulheres, não havia úteros para colocar esses homens no mundo… A base da sociedade simplesmente é dispensável, e vai continuar sendo assassinada.
Pensar nisso sempre me leva a lembrar de Simone de Beauvoir, que disse que não nascemos mulher, nos tornamos mulher. E apesar de amar essa frase e concordar muito com ela, uma grande parte minha discorda.
Mesmo obrigadas a nos tornarmos mulheres pela vida, nosso gênero sempre vai contar uma história. E não é uma história feliz. Nascer branca, preta, parda, mestiça, asiática, nativa, cis ou trans… Nascer sendo mulher sempre vai nos unir no crime de não ser um homem, mesmo que algumas usufruam de mais privilégios do que outras.
É como ter a letra escarlate tatuada na testa.
SOLUÇÕES PARA CLÁUDIAS
Tem algo mais que me choca nessa história: o caso Cláudia Lessin Rodrigues aconteceu no meio da Ditadura Militar, mas não foi um crime do regime de opressão. É uma estatística fora da estatística. Mas não quer que haja solução para todas as “Cláudias”.
Não há resposta ou data para o fim do genocídio feminino. É apenas uma cruz inevitável no nosso caminhar. Mas não quer dizer que tenhamos vontade de nascer homem em possíveis vidas futuras.
Tocar nesse ponto nos faz questionar casos recentes e populares, e notar o quanto são os casos de feminicídio que mais “chocam” o país, enquanto jamais acabam ou mudam algo. Programas sensacionalistas estão cheios de nós, mulheres, sendo mortas sem razão.
Mas isso me faz questionar: se homens estão menos acostumados a ser paquerados diretamente e consideram isso um crime, então estão mais propensos a ouvirem nãos — já que são eles quem vão atrás das mulheres… Se eles estão treinados a ouvirem não, por que alguns nãos são mais permissivos que outros? Antes de Cláudia, seu principal agressor já tinha ouvido recusas antes, obviamente. O que a diferencia?
Qual é o ponto fraco entre a mulher que eles escolhem matar e as que não foram mortas antes? Existe um padrão? Há regra? E o quanto a radicalização das redes sociais para a brutalidade do gênero masculino tem no ato de criar novos crimes como esses? O que nos faz ainda permitir e alimentar o discurso?
E a principal questão que me atormenta: o quanto nós, mulheres feministas, estamos alimentando esse comportamento ao compartilhar radicalizações (seja na crítica ou no deboche) ao invés de denunciar?
Olive Marie ♥