FLEX X COP: A PARENTALIDADE DESCABIDA

 




Eu sou uma grande fã de k-dramas. Sou realmente apaixonada pelo fato de que, na Ásia, não ficou brega estar apaixonado. E digo isso porque eu amo comédias românticas, que é uma coisa que ficou obsoleta aqui no Ocidente.


Em consequência disso, estou sempre assistindo novos k-dramas e c-dramas, estou sempre me apaixonando por personagens masculinos escritos por mulheres e improváveis no mundo real. Estou sempre lembrando a mim mesma o quanto é mil vezes mais divertido ver tudo isso pela televisão do que pessoalmente (casais apaixonados e melosos, gentileza manter distância dessa que vos escreve).


A questão aqui é que sempre estou consumindo conteúdo de romances. Massivamente. Quase nunca assisto algo que não tenha um casal fofinho com tendências de acabarem juntos no final. E “Flex X Cop” foi uma feliz exceção recente.


Na busca por um novo k-drama, um amigo querido me indicou esse, prometendo que eu me apaixonaria perdidamente pelo casal principal, em especial, porque era um casal real. Minha mãe e eu, então, descobrimos que queríamos assistir às goladas, sem pausa, sem ar, até o último episódio. A dica foi perfeita. O casal é mesmo fofo. Mas não é o romance que chama a atenção.


RICO CHUTA POBRE (DE NOVO E DE NOVO)


Todo dia eu acordo e penso: “Obrigada, Jane Austen, por ter escrito o primeiro casal rico chuta pobre de respeito na literatura”. Todo dia mesmo!


E todo dia eu descubro um novo casal rico chuta pobre diferente. Seja na literatura, no cinema, na TV (k-dramas e tal) ou na música. E “Flex X Cop” me pegou desprevenida por ser uma história de pobre chuta rico. AO MELHOR ESTILO MESMO!


A protagonista está se lixando que o herdeiro que ela prendeu, por acaso, estava mesmo salvando o dia quando perseguiu e agrediu um cara supostamente comum. Quando a família dele interveio e o defendeu, e fez toda a história vir à tona, ela continuou se lixando. Ela ainda estava se lixando quando ele conseguiu uma vaguinha na polícia para limpar a barra da equipe dela, e continuou chutando o riquinho, até notar que ele não era assim tão mimado.


Na verdade, o Jin I Soo (Ahn Bo Hyun) é um herdeiro fofo, que total noção de classe e não se enxerga como parte de uma família multimilionária. Apesar de usufruir bem dos ganhos do próprio pai, ele se entende como um cara normal e aceita isso. E ele se apaixona primeiro.


Mas “Flex X Cop” não é uma história sobre romance. Os casais, na verdade, nem são tão abertos sobre seus sentimentos… “Flex X Cop” fala sobre outras coisas…


DRAMAS FAMILIARES, DOS RICOS AOS POBRES


Jane Austen não escreveu apenas excelentes romances com ricos chuta pobres ou com homens brutos descobrindo que podem ser fofos, mesmo em sociedades complicadas. Jane Austen também escreveu, em seu romance mais popular: “É uma verdade universalmente reconhecida, que um homem muito rico está em busca de uma esposa”.


Independente da tradução, o efeito da frase inicial de “Orgulho e Preconceito” é esse. E talvez ela pudesse ter escrito também: “é uma verdade universalmente reconhecida, que toda família tem problemas e os jovens sempre vão precisar de terapia”.


“Flex X Cop” não é uma obra inspirada em “Orgulho e Preconceito”, muito menos algo pensado em Jane Austen. A associação é de livre interpretação minha; mas algo as histórias têm em comum: dos mais ricos aos mais pobres, todas as famílias têm problemas e são complexas. E todas as famílias vão exibir seus lados mais feios, mais cedo ou mais tarde.


Os dramas familiares são responsáveis por moldar quem somos e como reagimos a vida social. E por mais que a escola seja um grande amparo sobre sociedade, a verdade é que nosso primeiro contato com impressões sociais vem da família, sem contar que este é o nosso círculo mais duradouro.


A questão é como lidamos com a vida familiar, depois de adultos e com valores próprios. E como lidamos com os valores das nossas famílias também, sejam eles similares ou completamente opostos aos nossos. E em “Flex X Cop” o ponto chega até a ser mais profundo do que isso.


AS PESSOAS QUE NOS CRIAM


Se tem algo que “Flex X Cop” debate em sua história, essa coisa é parentalidade. Familiares próximos e experiências pessoais. E por mais que isso seja comum em qualquer boa história, aqui o contexto é um pouco mais complexo.


Dois casais se formam em um passado não tão distante. Duas crianças nascem dessas relações, e essas crianças crescem confusas sobre si mesmas e sobre como devem reagir com esses mesmos adultos. As consequências disso são óbvias: os dois filhos estão lutando, mesmo adultos, contra si mesmos.


São irmãos amigos e unidos, mas são problemáticos. Ambos estão estragando as próprias vidas, e simplesmente não são capazes de mudar todas as decisões estúpidas que tomaram. Os caminhos são bem nítidos.


O debate final é sobre quem são essas pessoas que nos criam… Jin I Soo teria abandonado sua vida de herdeiro pela vida de policial comum com tanta facilidade, se sentisse que era incluído na própria família? Seu irmão teria tido a necessidade de ser o adulto responsável que cuidava do irmão mais novo, se seus pais tivessem feito isso? A madrasta de Jin I Soo precisaria ver a própria vida desmoronar se fosse um pouco mais razoável e consciente? E o pai dele teria que escolher entre duas famílias, se tivesse pensado com cuidado nas crianças?


Escutamos demais que mães e pais adolescentes são, geralmente, tidos como irresponsáveis e menos capazes de criar crianças razoáveis e promissoras. Mas esses adultos de quase trinta anos? Estão mesmo capazes de criar filhos de forma adequada? Me sinto, sinceramente, inadequada para dar uma resposta consciente e eficiente para essa questão existencial.


Olive Marie ♥


PS: a imagem de capa desse texto foi escolhida pelo Pinterest e não tem referência na arte porque não encontrei quem o desenhou.

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