HILDA: A COMUNHÃO COM A NATUREZA NA GERAÇÃO DIGITAL

 




Há alguns anos, descobri a história de Hilda pelos livros, dando uma olhada em livros semelhantes que estavam anunciados na Amazon, mas nunca os comprei. Pela mesma razão que nunca comprei nada pela Amazon: odeio compras online e sou cronicamente analógica.


Muito tempo depois, com o lançamento da série animada na Netflix, vi filhos de parentes e amigas descobrindo o universo de Hilda pela animação. E me enchi de quentinho no coração. 


Recentemente, maratonei todos os episódios da série e assisti ao filme, tudo ao lado da minha mãe, e o quentinho aumentou. Não apenas pela história ser sobre uma mãe e uma filha que se viram sozinhas no mundo, mas porque deu nostalgia. Algo em “Hilda” me lembrou a memória afetiva do desenho “O pequeno urso” da minha infância. Foi reconfortante!


Mas tem mais… As falas e as aventuras de Hilda também recobram uma ação mais forte que vejo muito pouco em desenhos de seu tempo: a valorização da natureza. Isso fora a magia…


MAGIA DE ECOSSISTEMA 


No meu tempo, os desenhos focavam em cenários fantásticos e protagonistas do reino animal, sempre com a missão de nos ensinar algo… “Os camundongos aventureiros” contavam sobre um casal de primos que viajava o mundo, e enquanto aprendíamos sobre geografia e ética, ainda descobríamos sobre história, colonização, arte, cultura e — talvez assustadoramente para crianças — exploração de meios comerciais e naturais. Em “Castelo Rá Tim Bum”, a ideia era falar de arte, música, história e folclore. “O pequeno urso” falava sobre natureza e vida no campo, “Rupert” focava em culturas folclóricas e assim por diante.


Não existia tédio. Mas existia magia e respeito a natureza. Foi assim que toda a minha geração colecionou ensinamentos básicos sobre sociedade, história e biologia. Foi assim que aprendemos a preservar a água, a cuidar do planeta e a respeitar a natureza.


Não à toa, minha geração foi considerada uma das primeiras a valorizar o meio ambiente e ter pensamento coletivo. Claro que também somos a galera que não vai se aposentar, que não consegue comprar uma casa mesmo já tendo 30 anos e que rala o mês inteiro para escolher entre pagar a água ou a luz, mas aí é outra questão.


O ponto é que a história contada na animação de “Hilda” é uma mistura bem-vinda de magia ao estilo “Harry Potter” e valorização da natureza ao estilo “Zoboomafoo”. Óbvio que em graus diferentes, mas acho que deu para entender…


POUCA PEPPA E MUITA HILDA


Não há comparação entre os desenhos de hoje com os desenhos da minha infância. Existem 30 anos entre essas produções, mas “Hilda” resgata muito da ética moral e social daquele tempo. E só as coisas boas.


Diferente de desenhos de seu tempo, que fazem sucesso em redes de televisão, “Hilda” já tem quase 10 anos de lançamento e mescla muito do que a minha geração valorizava em bons desenhos e o que a geração posterior a minha ainda consumia em doses homeopáticas. A história não é repetitiva, as ilustrações são delicadas e trazem conforto e as histórias dos episódios envolvem. 


Para além disso, no mundo mágico em que vive, Hilda coleciona amigos peculiares e reforça ideias de preservação da natureza, respeito aos animais e admiração pela vida, independente de qual forma ela toma.


Durante as três temporadas existentes e o filme que liga a segunda com a terceira temporada, a obra em si também traz um conforto para essas gerações que já são frutos da minha e da posterior a minha. Crianças nascidas em meio a pandemia podem aprender a como era a vida antes, com rotinas infantis que não usavam de tecnologias avançadas e que passavam mais tempo fora do que dentro de casa. 


Ao contrário de obras que focam em padrões familiares, a trajetória de Hilda tem muito mais a ver com coletivo do que com pessoal. Sua intenção é abraçar a ideia de sociedade e coletivismo, abrindo espaço para mensagens importantes de caráter, respeito e ética. Um deleite de bom gosto, na verdade.


E AÍ?


Estamos coexistindo todos em um universo complexo demais do que naquele tempo. Os desenhos precisavam evoluir também, mas tem havido um certo regresso — no meu ponto de vista — de comportamentos de massa.


Enquanto tentamos recuperar nossa infância de diferentes formas (algumas mulheres adotam bebês reborn, alguns homens participam de competições de pipas), encontrei em “Hilda” um discurso que sinto que faz sentido e que sinto que merece a atenção das crianças que estão ao meu redor. Porque quero que essas crianças cresçam e vejam o mundo com olhos gentis.


Quando encaro o meu entorno, vejo adultos cansados e saturados, rindo de outros adultos que só querem um pouco de tempo de nostalgia. Afinal, por mais “anormal” que seja brincar com bonecas ou empinar pipa na casa dos 30 anos, questões mais profundas cutucam essas feridas. Quando vejo uma garota que foi minha amiga e me ridicularizou por ser uma mulher de 20 anos que consumia desenhos animados do Cartoon Network, fazendo festa de aniversário para uma boneca de plástico, me questiono se o que lhe faltou não foi o bom senso de ter sido uma criança, quando éramos mesmo criança.


Assistir “Hilda” me fez pensar o quanto precisamos ter certas conversas… Se uma criança assiste desenhos com baixo estímulo visual enquanto aprende sobre ética e sociedade, é provável que ela se torne um adulto que foca em coisas simples e mantém hábitos mais saudáveis para o próprio intelecto (assistir desenhos durante o jantar ou invés de retratar seus próprios traumas e más experiências infantis brincando com brinquedos), do que um adulto que reflete suas dores e saudades da infância de maneiras que escancaram dores. A discussão pode se ampliar demais…


Acho que o que mais amo em “Hilda” é a exemplificação da comunhão com a natureza que abraça essa uma geração presa em telas. É a chance de dar uma infância de verdade para uma geração que tenta inverter os papéis de poder. Precisamos de crianças aprendendo sobre natureza, cultura e sociedade, não fingindo ser adultas em podcasts ou se vendendo como líderes religiosos de conceitos históricos que elas ainda não dominam com maestria. Assim como precisamos que essas mesmas crianças entendam que a maioria dos adultos que estão nas redes sociais exibindo seus comportamentos antes julgados com infantis, estão fazendo isso por traumas incuráveis. Se tivessem passado mais tempo sendo crianças, talvez não teriam tantas dores impossíveis de se tratar até mesmo na terapia mais intensa.


Olive Marie ♥