MÉDICOS EM COLAPSO: A QUESTÃO DA SAÚDE PÚBLICA
Sempre que uma catástrofe acontece na saúde mundial, a saúde pública é colocada à prova em debates amplos. Sistemas como o nosso SUS ganham força e doenças são discutidas de formas complexas até pelas pessoas mais leigas.
Ainda assim, há uma crise na saúde pública que quase não se discute: a mental.
E pode parecer exagero da minha parte dizer isso, já que produtores de conteúdos na internet vivem tocando na questão da saúde mental, mas a coisa para por aí. A internet é o lugar mais longe que isso vai. Dentro das casas das pessoas a coisa é bem diferente.
Crianças ainda estão sendo criadas por suas avós e seus avôs, pessoas de idade avançada que dificilmente consideram saúde mental um tópico sério e relevante. Fora da internet, esse assunto ainda é um tabu. E, muito provavelmente, vai continuar sendo um tabu por muitos anos.
E se já é um tabu no nosso mundinho ordinário e cheio de pequenez da rotina, será que somos capazes de entender o impacto disso no conceito médico? Nossos terapeutas têm terapeutas… mas é nossos clínicos, oftalmologistas, ginecologistas e cirurgiões?
SUPERLOTAÇÃO EMOCIONAL
Apesar do sistema CAPS ter virado piada nas redes sociais, a verdade é que muita gente precisa do diagnóstico que consegue lá. Não faz nem três meses, um homem parou minha mãe no trânsito e pediu um dinheiro para comer alguma coisa, ele tinha nítidos sinais de abuso prolongado de álcool, e assumiu que queria um dinheiro para comer porque tinha gastado parte do dinheiro que tinha para poder ir até o CAPS mais próximo. O resto do dinheiro em seu bolso era para pegar o ônibus de volta para casa. Saiu da boca dele a afirmação que a terapia fornecida no local estava ajudando-o aos poucos. Meia palavra de conforto da minha mãe, sobre ele ser sim capaz de melhorar, e o moço estava quase chorando.
O sofrimento emocional existe, e sempre existiu. Não é consequência de nosso tempo, apesar de ser mais discutido nos dias de hoje. Mas a questão é que, justamente por ter demorado demais para ser amplamente discutido, o assunto da saúde mental deixou de ser uma questão de manicômios e passou a ser um debate saudável e seguro (na maioria das vezes) e chegou de uma vez.
Entrando em nossas vidas com os dois pés no peito, doenças psicológicas pararam de ser diagnósticos escondidos entre as quatro paredes de consultórios médicos e começaram a ser reconhecidas como situações importantes e delicadas. Álcool e drogas — e até o tabagismo — passaram a ser considerados sintomas de doenças de forma séria e o aumento da busca por ajuda tem revolucionado a saúde pública de um modo geral.
Só que isso gerou lotação. E enquanto lotamos nossos corredores hospitalares e farmacêuticos com pacientes emocionalmente desesperados, entendemos que estamos no meio de uma pandemia incontrolável. É triste, mas é real e vai melhorar aos poucos. Logo, esperamos, a superlotação das dores psicológicas darão espaço para pessoas mais equilibradas, conscientes e saudáveis.
ANESTESISTAS E CIRURGIÕES PLÁSTICOS
Cinco minutos conversando com a minha mãe sobre o primeiro parto dela e você, que está lendo isso e não conhece a história, infarta e desiste da humanidade como uma raça a ser perpetuada. Até eu tenho traumas desse parto, e nem estava lá…
A violência obstétrica é uma consequência do nosso sistema de saúde doente. Infelizmente, muitos profissionais de saúde não estão lá porque são apaixonados pela profissão… Alguns buscam a melhora de vida, outros estão ali forçados por pais e mais que esperavam deles o mesmo tipo de formação acadêmica que as suas próprias, e outros estão unicamente porque o salário é muito bom. E mesmo que essa não seja a verdade por trás de cada profissional da saúde, é impossível afirmar que todos amam a área. Se amassem, mortes por negligência, violências obstétricas e abusos de autoridade em ambientes assim não existiriam.
Mas entre todas as histórias grotescas que já ouvi de médicos sendo pessoas abusivas e horríveis, a da minha mãe ganha um destaque curioso: seu anestesista. Ela se lembra do nome dele, da cor dos olhos dele e de toda a conversa que tiveram, mesmo enquanto ela estava dopada pela anestesia. No kdrama “Médicos em colapso”, Nam Ha Neul (Park Shin Hye) é justamente uma anestesista das boas, mas está completamente doente psicologicamente.
Enquanto melhora e se trata, a vemos ser uma âncora de conforto para pacientes aterrorizados com cirurgias assustadoras. E Yeo Jeong Woo (Park Hyung Sik) também passa pelo processo de autocuidado mental, justamente no período em que tenta recuperar sua honra e seu prestígio como cirurgião plástico.
Ambos profissionais da saúde que precisam existir para segurar as pontas, como suportes emocionais para pacientes em desespero. Seja o desespero do medo da morte ou o desespero da baixa autoestima. A relevância do debate todo é muito extensa, mas a questão que fica é: como anda a saúde mental dos nossos médicos?
“SOCORRO DEUS”
O último pico intenso de meses exposta ao estresse excessivo e um declínio não regulado da saúde mental aconteceu há alguns anos, enquanto era voluntária no site de uma amiga, e nossa figurinha preferida do WhatsApp era a famigerada “socorro Deus”.
Nosso grupo de quatro chegou em um nível ridículo de se comunicar por figurinhas quando a coisa estava pesada… Ficávamos reclamando das demandas dos trabalhos pessoais enquanto surtávamos com os prazos das notícias do site. a própria dona do projeto era a primeira a mandar áudios inconformada com a própria capacidade de fazer trezentas coisas ao mesmo tempo. E a nossa maior dúvida era: se éramos tão jovens (no início dos nossos 20 anos) como não conseguíamos ser multitarefas com nossos computadores sempre disponíveis?
“Socorro Deus” define muito aquele nosso momento. E sempre teremos nosso surto coletivo de quatro para mandarmos áudios de consolo e incentivo umas para as outras. Se passamos por aquilo, com certeza aguentamos qualquer pressão. Mas e quem estava cuidando dos nossos surtos do outro lado do divã…?
Enquanto maratonava “Médicos em colapso”, me perguntava quantas pessoas fãs de kdramas, que estavam consumindo o mesmo que eu, sabiam da importância daquele discurso. Será que garotas jovens, que sonham em ser médicas, entenderam o roteiro de verdade? E as senhorinhas interioranas que estão viciadas em assistir kdramas e achar que namoram atores coreanos por mensagens de texto duvidosas? Essa questão toda, completamente de saúde pública, vai mesmo ser encarada de frente ou vamos continuar fingindo que nada está acontecendo?
Olive Marie ♥