MONUMENT VALLEY: AS ORIGENS ESQUECIDAS
Me lembro exatamente do que estava fazendo na primeira vez que baixei esse jogo e a razão de ter baixado… Eu era adolescente e isso já tem uns bons dez anos. E sei disso porque eu estava frustrada, em um pico horrível da minha depressão e o jogo apareceu em uma propaganda para mim, e como ele era um quebra-cabeça e eu andava mal, pensei: “por que não?”
Zerei o jogo em algumas horas e me senti levemente contente por ter finalizado algo depois de meses sem conseguir encerrar nada que começava. Estava largada do sofá de casa e via a movimentação da minha mãe, que estava arrumando seu material de artesanato.
Acordei no dia seguinte empolgada, sentindo que eu era capaz de terminar as coisas como antes, e consegui limpar meu quarto, organizar a minha estante e terminar o livro que estava arrastando há tempos. Não sei se minha mãe notou na época, porque já éramos só nós duas, mas me senti realizada na pequena rotina da solidão da minha cabeça.
Depois disso, ao passar dos anos, ia e voltava ao jogo do início ao fim. Sempre que precisava de algo novo, que precisava me sentir útil, eu voltava e tentava reviver aquele sentimento de finalizar alguma coisa que me desafiava…
E então eu entendi a razão de gostar tanto da história um tempo depois, na terapia.
AS CAUSAS E OS EFEITOS
A história do jogo é sobre uma protagonista humana presa no mundo dos corvos. E eles estão chateados e irritados com ela.
Enquanto desvendamos os quebra-cabeças de cada fase, a protagonista se aproxima mais da história desse reino e o desfecho fofinho da história dá uma completude redondinha para a obra. E isso foi importante para mim porque, naquele momento da minha vida, eu estava sem estudar (por questões totalmente pessoais), tinha saído do meu curso de francês, não dançava mais, tinha perdido as poucas amigas que tinha porque não me sentia parte de nada e me afastei… Eu estava um caco.
A história da protagonista de “Monument Valley” colocava o foco de uma garota perdida e chateada, vagando por um lugar que ela tem certeza que pertence, sem se sentir confortável e tendo que enfrentar situações e cenários que achou que jamais teria que enfrentar. Exatamente como eu estava.
O jogo, naquele momento, me fez uma companhia imensa. Me fez sentir bem. E logo eu, que nunca fui lá muito de jogar… Mas as causas que me fizeram ver ele, inicialmente, como uma distração, me causaram um efeito de melhora minúscula em um quadro de moral deturpada. Fez sentido naquele momento, e por isso me tornei grata e apegada a história.
MUITAS TERAPIAS DEPOIS
Com um histórico terapêutico que remonta aos meus 14 anos, seis diagnósticos errados e muitos psiquiatras brincando de Deus enquanto me enfiavam antidepressivos pela garganta, entendi que me senti conectada não porque a história parecia com a minha, mas porque fui realmente presente com algo que supriu minha carência por algumas horas.
O efeito colateral, em mim, foi poder me sentir bem com a minha capacidade pela primeira vez em meses. Foi a descoberta que eu poderia coabitar o mesmo espaço comum da casa com outro membro da minha família e ficar em paz por um tempo, apenas existindo. Isso era uma novidade naquela época.
Com uma família disfuncional da porta para dentro, traumas em excesso na bagagem e uma desconexão imensa com as minhas próprias origens, sentir que eu poderia olhar com gentileza para o meu passado, por meio de uma narrativa interativa, foi o bastante para que algo no meu processo pessoal de aceitação do meu pequeno desastre começasse a se encaixar.
Assim como a protagonista da história, comecei a montar meu próprio quebra-cabeça pessoal para tentar me resolver e abraçar os cacos da minha origem pessoal esquecida.
A VIDA DEPOIS DA FASE FINAL
Eu ainda faço terapia e vou fazer pelo resto da vida. E, sinceramente, ainda não sei como funciona o jogo de terapeuta e paciente como talvez devesse entender, mas sei muito mais sobre mim agora do que sabia naquela época.
Não tem só algo sobre amadurecer e envelhecer. E obviamente não tem algo exatamente em relação ao jogo que mude isso ou afete essa percepção diretamente. Mas há algo de comum nas duas coisas…
Acho que “Monument Valley” dá uma boa perspectiva de como a vida é. Em especial, em momentos caóticos.
Nós somos alguém, surtamos por algo, temos uma crise emocional e existencial, nos sentimos amaldiçoados, e começamos a nos acalmar do nada. E esse processo de calmaria começa exatamente quando decidimos olhar com calma para o começo das nossas vidas e entender nossas origens, e quando aceitamos isso, portas se abrem, peças se encaixam e vida começa a fluir finalmente.
Quem me acompanha no Instagram sabe muito bem que isso funciona bem na teoria, e que na prática a coisa vai ficando mais afunilada. Mas é por aí…
Olive Marie ♥