O MISTÉRIO DE AGATHA CHRISTIE: COMO VIVEM AS AUTORAS

 



Agatha Christie foi uma autora de romances policiais que nasceu na década final de 1800 e viveu até mais da metade de 1900 - conhecido também como século passado. Ou seja: Agatha Christie viveu quase um século inteiro e dominou o cenário literário de seu tempo.


Servindo de inspiração para autoras como Liane Moriarty e Sarah Pearse, Agatha Christie foi, de longe, a escritora mais promissora do seu gênero, a mais consagrada e a mais lida. Está, há anos, entre as mais vendidas de todos os tempos, entrou para o hall seleto de autoras clássicas da literatura mundial e teve uma vida plena.


Sem sombra de dúvidas, ela foi mais do que os olhos poderiam ver. E o melhor de tudo é que Agatha Christie só se tornou autora, porque sua irmã a desafiou a fazer isso. Desde então, não podemos imaginar um universo literário em que ela não exista em sua plenitude.


O romance “O mistério de Agatha Christie” é um clássico ao seu modo. Tem romance romântico, tem visão de vida, tem questionamentos femininos, apegos maternos e relações complexas demais para serem estudadas de forma tão leviana. E dentro de tudo isso, tem uma visão de vida sobre quem foi, em níveis pessoais, Agatha Christie.


FILHA E MÃE


Quando pensamos nos romances de Agatha Christie, pensamos em como ela deve ter tido conhecimento do mundo para escrever tão bem sobre ele. E a verdade é que teve. E teve, com muita ênfase.


Apesar do tempo em que nasceu e cresceu, Agatha foi estimulada por sua família a conhecer o mundo e se manter dentro de novas aventuras sempre. E isso tem uma visão divertida no livro.


Quando pensamos que esse é um livro meio biográfico e meio ficcional, enxergamos muito da realidade por trás das deduções e invenções. E a relação “mãe e filha” de Agatha com sua mãe é uma das mais interessantes. Especialmente quando ela se mostra indiscutivelmente determinada a manter o namoro com o homem por quem se apaixonou, e não com o homem escolhido por sua família.


Vemos uma filha dedicada, apaixonada e fiel, completamente incapaz de se ver longe de sua mãe. Também vemos uma relação baseada em amor compartilhado e recíproco, apoio mútuo e incentivo ao pessoal. Enquanto, por outro ângulo, vemos uma mãe esquiva e amedrontada.


Unindo sua criação baseada em conceitos machistas óbvios de seu tempo, Agatha Christie parece ter se tornado uma mãe reclusa e omissa em certos momentos, indisposta para estar sempre com a filha como estava sempre com a mãe. E não apenas porque foi ensinada assim durante o seu amadurecer, mas porque teve esse estímulo por parte do marido, que se mostrava infeliz com a perspectiva da maternidade.


A verdade é que o primeiro marido dela era um militar frustrado e um baita bebê chorão, que achava que esposa era o mesmo que mãe substituta, e que queria que Agatha fosse uma mãe distante para que sempre fizesse tudo por ele e baseasse sua existência única e exclusivamente em sua felicidade e bem estar.


Como mãe, vemos um eterno dilema rondando sua cabeça e seu coração, porque ser esposa parecia mais importante. E isso vai se tornando aflitivo e angustiante com o decorrer do livro. Especialmente porque estamos tendo acesso ao comportamento e pensamentos de Archibald Christie - seu primeiro marido.


MULHER ANTES DE TUDO


Você já pensou em autoras clássicas como mulheres? Mulheres de verdade? Mulheres que sentiram dores, ansiavam por algo próprio, sonhavam com futuros promissores e lutavam por suas ideias e valores pessoais?


Quando pergunto isso, quero transpassar a ideia de biografar suas jornadas. Não sobre como conquistaram algo, mas sobre suas pequenas agonias do dia-a-dia… Marie Benedict pensou assim sobre Agatha Christie.


Não vale o esforço falar sobre como ela se portava como esposa neste espaço - deixo isso para minhas observações no SKOOB -, mas vale o esforço escrever sobre suas pequenas incertezas pessoais. Como seu papel na maternidade, por exemplo. Também precisamos pensar em Agatha Christie como um ser de muitos pensamentos e pouco espaço para aplicá-los.


Acho que a melhor parte da escrita de Marie Benedict é essa vantagem em ser capaz de imaginar a autora Agatha Christie como a mulher Agatha. Essa é uma peculiaridade que me comoveu e me convenceu, tirando de mim muito contentamento ao ler. Porque, convenhamos, é muito difícil se colocar no lugar de uma mulher que viveu há quase um século. Ainda mais quando compreendemos o quanto essa mulher experimentou uma vida pouco convencional para o seu tempo.


Entender também, que além de suas próprias agonias, essa é uma chance de dar uma voz para alguém que não pode mais ser ouvida. E recobrar ideias, obsessões e tensões, das quais só ouvimos falar sobre a vida de alguém, é um talento para poucos. E escrever bem já é uma coisa complicada de se fazer.


Enquanto lia, senti que a autora fez isso muito bem. Senti que aqueles poderiam ser os pensamentos e as aflições reais de Agatha Christie, e senti que estava entrando dentro de sua cabeça para entender a agonia de não poder ser você e ter que se anular por seu tempo e seu nome. Pareceu mais verdadeiro do que poderia ser.


O DESAPARECIMENTO DA AUTORA QUE DESAPARECE PERSONAGENS


Em 1926, Agatha Christie sumiu do mapa. Ela desapareceu no meio da noite. Seu marido não estava em casa, sua filha foi deixada para trás sob os cuidados da babá e dos empregados da casa. E a polícia foi chamada.


Com ações midiáticas e até mesmo equipes montadas pela Scotland Yard especialmente para a sua busca, por onze dias Agatha Christie estava começando a parecer a vítima de um de seus livros tão bem escritos.


A verdade do caso nós não sabemos. Muitas coisas podemos imaginar e teorizar, e eu mesma fiz isso por anos. Especialmente quando entendi algumas coisas sobre sua biografia…


E entre tantas teorias, Maria Benedict usou uma das mais fortes para explorar o imaginário pessoal e coletivo. E vale lembrar que não é sobre aquela bizarra teoria de que ela teria sumido para se autopromover como autora de romances de suspense e policiais.


Admito que, dentre todos os cenários possíveis, o imaginado por Benedict parece o mais promissor. E explora uma versão pouco vista sobre a Dama do Suspense: a de mulher além das páginas que escrevia.


E é importante pensar assim, porque, dentre todas as possibilidades, essa é a mais curiosa. Afinal, parece que não, mas se tornar uma autora de impacto de seu tempo e perdurar como uma romancista clássica para a história da literatura te silencia mais do que o habitual. E ser mulher já é passar por invisibilidade e silenciamento.


Gosto muito de onde o livro foi parar. Gosto de onde isso chegou e como chegou, e gosto da ideia ampla de sumir de forma tão teatral ter sido uma escolha pessoal e calculada, e não uma jogada de marketing tão rasteira como muitas pessoas gostam de imaginar.


Acho que esse é um dos melhores livros que já li e, com certeza, está entre os meus preferidos de 2023. Tem muito potencial imaginativo e vale a penas o entendimento que a escrita tenta nos trazer sobre quem foi Agatha Christie, para além da autora de romances policiais clássicos.


♥ Olive Marie

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