ELEMENTOS: CRISES SOCIAIS PARA CRIANÇAS

 



Quando paro para pensar sobre filmes infantis, caio em um redemoinho desesperador de limitadas opções capazes de cativar. E, muito provavelmente, como você que está lendo isso, o lugar que vou parar é sempre Disney ou Pixar.


Você, muito provavelmente, não sabe que eu sou uma adepta ferrenha do descaso com a existência da Disney. E meu sentimento anti Disney vem de um lugar diferente das teorias do início da internet, quando diziam que a palavra “sex” estava escrita no céu de “O rei leão”. Meu problema com a Disney vem de um lugar mais sombrio, onde vejo as poucas qualidades, mas encho os olhos com os milhares de defeitos dos roteiros.


C’est la vie! Por outro lado, sinto uma grande simpatia com os filmes da Pixar. Mesmo que seja uma companhia criada para ser uma “anti Disney” por um ex-funcionário da empresa. Mesmo que tenha sido corrompida gradualmente até acabar sendo comprada pela própria empresa que jurava ser “contra”. Muito de mim, por muitos anos, odiou a Pixar também. Mas por uma razão diferente.


Já chego lá… O ponto é que eu assisti ao filme “Elementos”, e fiquei apaixonada. Porque, depois de anos sendo uma arqui-inimiga da cultura de filmes infantis de roteiros duvidosos, me vi sendo sugada para dentro de muitos longas da marca de forma avassaladora.


“Luca”, de longe, se tornou meu filme preferido. “Red” também foi uma obra mais do que feliz… De qualquer forma, “Elementos” virou um querido em meu coração, e hoje a ideia é falar sobre a razão de isso ter acontecido.


O básico você já sabe: Ember é uma mulher do bairro de fogo, enquanto Wade é um homem de água. E, como você também sabe: eles se apaixonam. O resto eu tento te explicar nos tópicos…


A QUÍMICA DA VIDA REAL


Por se tratar de um filme que usa os quatro elementos para determinar pessoas, precisamos entender como as coisas são colocadas no longa. Sendo que a união de elementos, teoricamente não pode acontecer.


Teoricamente, porque os seres de fogo são excluídos e marginalizados, enquanto o resto dos elementos convivem em perfeita harmonia. Afinal, o ar pode estar úmido, e a água pode usufruir igualmente do ar. Assim como a terra precisa de água para existir, e o ar também pode ser próspero para o funcionamento adequado da terra.


O fogo, por outro lado, não tem essa vantagem. Extremamente volátil com ar, completamente arriscado para a terra e, bom e ruim, para a água - dependendo do que você quer fazer com a umidade da sua vida.


Mas “Elementos” não é um filme sobre elementos. “Elementos” é um filme sobre pessoas, e isso é deixado claro milhares de vezes. Mas é ainda mais óbvio quando Ember conhece a família de Wake.


Ember é uma personagem preta. Não ludicamente falando, mas no contexto geral da coisa. E é exatamente aí que a coisa começa a ficar interessante, porque eles têm uma discussão sobre como seus mundos são diferentes. Sobre como ele tem oportunidades, porque é rico e porque é bem visto pela sociedade. A água - pessoas brancas - se adaptam e são bem vindas em todos os lugares. O fogo - pessoas pretas - não conseguem se encaixar.


Em uma análise um pouco mais profunda e sombria, podemos interpretar a partida da família da Ember para a “grande cidade” como a migração escravista que aconteceu por séculos ao redor do mundo. Quase trezentos anos no Brasil - se não for trezentos mesmo.


O grande questionamento do filme é: o que acontece quando se mistura pretos e brancos? A resposta está ali. Bairros marginalizados, que não tem nem água quando são exclusivamente de fogo (pretos). E eu sei que você está pensando: “mas não pode mesmo ter água no bairro de fogo, porque eles vão se misturar até se extinguir mutuamente”. Mas essa é uma pequena crítica sobre a falta de saneamento básico disponível em regiões periféricas, que são majoritariamente de pessoas pretas.


FALANDO DE RAÇAS PARA CRIANÇAS


Depois de “Red” falar sobre emancipação feminina para crianças, “Soul” falar sobre jornada espiritual e “Procurando Dory” falar sobre deficiência. “Elementos” chegou para falar sobre raças e racismo.


Quando paro para analisar os elementos e como são explorados no filme, sinto que podemos identificar quatro etnias principais. Isso baseado, única e exclusivamente, no que eu mesma analisei dos pontos explorados ali.


Se a água são pessoas brancas e o fogo são pessoas pretas, sinto que a terra são povos nativos. Isso porque a estética das personagens também fala muito sobre eles… As pessoas de fogo exibem narizes mais largos, enquanto as pessoas de água são majoritariamente pessoas de olhos claros. Enquanto os seres de terra são mais diversificados.


Seus “rituais exóticos” são razão de gracejo durante o filme e é deixado claro que eles não seguem um padrão físico exato. Enquanto as pessoas de ar usufruem de cargos altos e dispõe de acessos muito mais tecnológicos, como seu dirigível, por exemplo. Isso os classifica diretamente como asiáticos nessa análise mais prática.


“E os povos árabes?”, você deve estar se perguntando. E a resposta é clara: não existem.


Entender a discussão racial do filme “Elementos” exige que pensemos como estadunidenses, e é um fato que eles ignoram povos árabes e a cultura muçulmana, assim como englobam asiáticos no mesmo nicho e reservam um outro nicho para povos latinos. É indiscutível que os Estados Unidos classificam os seres humanos como etiqueta comida: nichos de pessoas não brancas são igualmente invisíveis e bizarramente estereotipadas.


De qualquer forma, a missão central foi cumprida com sucesso, e o filme fala bem sobre raças para crianças. E mesmo que eu sinta que seria muito legal ter mais exploração desse contexto para entendermos melhor a forma com que essas raças se mesclam no contexto geral da obra, sinto que é um bom filme para se apresentar discussões raciais para crianças.


Dentro de casa, e até mesmo na escola, os debates sobre o tema podem ganhar um 

espaço muito interessante dentro dessa forma de observação. Especialmente quando pensamos na ideia de falar sobre escravidão e segregação. Talvez até sobre oligarquias.


O AMOR QUE SUPERA TUDO


Obviamente, não há spoiler em afirmar que o amor supera tudo no final. Afinal de contas, estamos falando de um filme da Pixar.


Mas é curioso - e muito importante - que o filme não seja sobre o amor próprio ou a jornada do herói. Claro, isso está presente, afinal, é um longa-metragem da Pixar. Mas esse é o primeiro filme que a maior parte do roteiro é sobre amor romântico.


Precisamos pensar no racismo implícito que é discutido, como “fogo não pode tocar em água”. Mas também temos um contexto maior rolando aqui.


“Elementos” foi lançado no ano mais calmo da pandemia. Porque apesar de não usarmos mais máscaras e termos vacinas, a pandemia ainda é uma realidade próxima demais, e muito provavelmente vai ser assim pelos próximos anos. Até que, em algum momento, esse não seja mais um medo tão real e nós sejamos abençoados com gerações inteiras que só conhecem a ideia de uma pandemia viral apenas pelos livros.


O que quero dizer é: o filme toca em pontos sensíveis sobre família. Realidades diversas e contextos interessantes. Fala sobre toque físico, imersão em contextos exclusivamente familiares e despedidas e rituais. Fala sobre herança. Herança racial e emocional.


E o amor supera mesmo tudo? Muito provavelmente. Porque, seja como for, temos sempre esse sentimento reflexivo sempre caminhando ao nosso lado. Ouso dizer que o amor foi, acima de tudo, a principal arma contra a pandemia.


Ver isso ao alcance das mãos e das mentes das crianças, também é um ponto de partida importante para entendermos as crianças que estamos criando e o que queremos que elas saibam sobre como enfrentamos o luto e a força de sermos nós mesmos em momentos difíceis.


E se você sente que “Elementos” não toca tão intensamente no tema da pandemia, está com a razão. Não é sobre isso, mas não quer dizer que não seja um tipo de filtro sobre. Afinal, “Elementos” não é sobre lugares lotados. O filme se passa, em sua maioria, em pequenos círculos sociais. Em especial, em círculos familiares.


♥ Olive Marie

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