QUASE UMA ROCKSTAR: QUEM NOSSAS MÃES CRIAM

 


Tentei ler “Quase uma rockstar” há alguns anos, sem sucesso. Protelei e senti que não estava bem com a história naquele momento, mas que, talvez, no futuro meu novo eu adorasse a obra. E deu certo.


Amber é uma garota positiva sobre a vida, que tenta ver todas as suas desgraças por um ângulo promissor, especialmente no seu momento atual. Ou melhor: quando o livro começa.


Ela mora em um ônibus escolar com sua mãe alcoólatra e tenta de tudo para entender o lado positivo disso. Ela é voluntária em uma casa de repouso para idosos, é professora de inglês (e maestra de coral) em uma igreja coreana na periferia da cidade e é a única garota da escola que faz parte das aulas de marketing. Seus amigos são os mais incomuns possíveis em sua cidade, sendo o único garoto preto das redondezas, o único garoto deficiente e seu irmão, e o único garoto com autismo. E para todas essas pessoas, Amber é mesmo quase uma rockstar.


Gosto de imaginar os livros que leio como histórias reais, ou seja, nesse momento, para mim, Amber não mora mais em um ônibus escolar e não é mais alguém que precisa acordar antes do nascer do Sol para poder tomar um banho de verdade na casa de Donna, sua ídolo número um. Isso porque, agora que já li, gosto de imaginar a Amber realizando seu sonho de se tornar uma advogada de sucesso.


Para adiantar, “Quase uma rockstar” tem um final feliz. Não vou contar qual, mas tem. E também tem uma tragédia, e tem momentos de esperança e histórias de vida cheias de superação e amor. Mas esse também é um livro de reflexões…


MATTHEW QUICK E EU


Eu odeio “O lado bom da vida”. Entendo que o livro é sobre saúde mental e superação, mas também acho o protagonista um saco. Só mais um homem mimado que acha que tem a vida perfeita e aí descobre que não tem e se torna violento. Como todo homem branco de classe média, o protagonista passa a ser tratado por todos como alguém que teve um surto emocional e que merece nossa pena.


Sua respectiva parceira romântica é um saco. A história dela é bem mais razoável, mas não gosto dela. Gosto menos ainda do que foi feito no filme, que tentou melhorar uma história ruim, mas acabou piorando. Então, quando li “O lado bom da vida”, decidi que odeio Matthew Quick como autor.


O problema disso? Eu tinha amado ele como autor em “Perdão, Leonard Peacock”, que é um livro verdadeiramente profundo e real. Parece um relato de verdade, tem originalidade e sentimentos. Tudo que seu maior sucesso não tem, ao meu ver.


Numa tentativa de consertar minha relação com o autor, comprei mais dois de seus livros, para tirar a prova, e acabou que precisei de alguns anos para perder meu preconceito sobre ele e me entregar a história. E até que foi bom.


Como autora (ou seja, alguém que também escreve), sempre tento encontrar os pontos fortes dos autores que estou lendo. Gosto de encontrar suas fraquezas também, balancear as duas coisas e decidir o que me inspira e o que me irrita em suas histórias e formas de escrever. Também tento ler a personalidade dos autores que estou lendo, porque quero sentir que fazem sentido com o meu estilo de vida, e Matthew Quick ainda é uma incógnita enorme.


Agora gosto muito de dois de seus livros, mas odeio (é, odeio mesmo) o seu livro mais famoso. E sinto que estou me relacionando errado com seus livros, afinal, não conheço mais ninguém que tenha odiado “O lado bom da vida”. Só que eu também não conheço ninguém que tenha lido qualquer outro livro dele. Com quem conversar para desvendá-lo, então?


Eu tenho certo ranço de livros escritos em primeira pessoa, também não gosto muito de protagonistas adolescentes e fico de saco cheio de ambientes escolares em livros estadunidenses (que parecem sempre uma repetição irritante de tudo que já conhecemos). Mas admito que Matthew Quick nasceu para escrever adolescentes. E para descrever catástrofes maternais…


TODAS AS MÃES QUE NÃO PODEMOS VER


Em tempos de redes sociais, a vida maternal se divide em dois pólos extremos: ou você tem a melhor mãe do mundo ou tem a pior e mais narcisista. Particularmente, não acho que seja bem assim que funciona. Sendo muito sincera.


Claro, conheço mães narcisistas e manipuladoras, e também conheço mães que merecem disputar concursos de “melhor mãe do mundo”. Mas, na grande maioria das vezes, as coisas não são assim. E o fato de eu achar que talvez a gente tenha que dar um desconto para as mães (que estão normalmente cansadas e de saco cheio), eu acho que tem mais mães com sintomas problemáticos do que promissores, porque as gerações anteriores a minha não eram lá muito saudáveis das ideias. E tudo bem também, contanto que saibamos quem são as nossas mães na fila da psiquiatria.


Tirando isso, gosto muito das mães de Matthew Quick. Até mesmo da mãe do protagonista de “O lado bom da vida”. E digo isso porque, se tem uma coisa que esse homem faz bem – além de escrever adolescentes cheios de traumas e realidades –, é escrever mães.


As mães reais, aquelas que não estamos vendo pelas lentes de aumento de filhos muito amorosos ou muito irritados, elas ficam mesmo de saco cheio de nós de vez em quando. Isso porque ser mãe muda toda a roda da vida. E está tudo bem, não quer dizer que sua mãe pense menos em você se ela decide surtar e sair de casa no meio da noite. Às vezes ela só está sendo a sua super heroína e você nem sabe.


Quando estava lendo “Quase uma rockstar”, senti que esse não era um livro sobre a Amber. Esse era um livro sobre sua mãe. Porque a Amber só é religiosa (cristã), esperançosa e otimista, porque sua mãe começou a desistir de si mesma, mas nunca desistiu da Amber. E por mais que você ache que elas moravam em um ônibus porque ela foi uma mãe egoísta, a verdade é só que ela queria impedir que a Amber fosse como ela.


O mesmo fenômeno aconteceu quando li “Perdão, Leonard Peacock” e quando li “O lado bom da vida”. Leonard é cansado, frustrado e solitário porque sua mãe é viciada em trabalho. E ela é assim porque precisa ser a super heroína dele (mesmo que ele ache que ela está sendo insensível porque acabou deixando ele de lado no processo de salvar sua vida). O Pat, de “O lado bom da vida”, só é um machão mimado que esperava perfeição, porque sua mãe o criou em uma família tradicional que pregava essa ideia de “ideal americano”.


E mesmo quando estamos vivendo as nossas vidas, nós ainda somos reflexos dessas mulheres que nos criaram. E, óbvio, pessoas ruins não são ruins porque suas mães são péssimas, mas talvez sejam ruins porque não entenderam quem suas mães estavam sendo enquanto tentavam salvá-las.


E, por gentileza, entenda que pessoas são pessoas, com suas autonomias e personalidades. Mas, na grande maioria das vezes, nós queremos ser como nossas mães. Ou queremos ser o completo oposto delas. Isso vai da experiência de cada um, mas a questão é que Matthew Quick escreve muito bem sobre todas as mães que não estamos vendo na internet. Sobre todas as mães que não são romantizadas ou demonizadas. E, sem sombra de dúvidas, ele entende que nem todo pai é um super herói.


O QUE NÓS SOMOS


Somos seres humanos e somos complexos. Nossos comportamentos de espelho são uma consequência de nossas criações, sejam elas promissoras ou não. Mas a questão é que algo de nós é o que nossas mães criaram.


Temos orgulho disso? Podemos ser vistos como espelhos? Ou somos reflexos do que elas esperavam de nós enquanto nos criavam? Se temos pais ausentes, também estamos destinados a sermos reflexos deles?


Acho que, no fim das contas, os livros de Matthew Quick falam sobre quem somos como seres humanos, nossas frustrações e medos. Ele descreve bem a forma com que tragédias podem mudar o rumo de nossas vidas, mas também como podem nos fazer entender quem somos. E, no caso de seus livros, ele usa isso como simbolismo das mães.


Amber só é dessa forma, só conquista suas coisas no dia-a-dia, porque vê sua mãe e entende o que sua mãe criou. E filtra quem quer ser e como vai aplicar a visão que tem da própria mãe para se colocar como alguém no mundo. E aí entra outra questão: o reflexo de seus protagonistas dentro de sua obra.


De três de seus livros que li, “Quase uma rockstar” é o único dos seus livros que é protagonizado por uma mulher, então essa relação maternal é deixada mais clara. Enquanto em “Perdão, Leonard Peacock” a mãe é um sinônimo de distanciamento e em “O lado bom da vida” a mãe é lugar de conforto, “Quase uma rockstar” tem a mãe como um embate pessoal.


Amber não demoniza sua mãe, mas se ressente dela em vários momentos, por estarem levando a vida que estão levando. E como mulher, enaltece a vida de Donna, sem ver ela como uma mãe de verdade, sendo que Donna é mãe também e tem seus altos e baixos nessa função. Amber quer ser a Donna, não sua própria mãe. Mas se Amber fosse filha da Donna, ela seria a pessoa que quer ser como a Donna?


♥ Olive Marie

Postagens mais visitadas deste blog

SRTA. AUSTEN: AS MULHERES POR TRÁS DE LENDAS

GALATEA DAS ESFERAS: A FÓRMULA FEMININA DO SUCESSO

AS DUAS FRIDAS: A ARTE SOBRE MULHERES