ORGULHO E PRECONCEITO: A INVENÇÃO DA COMÉDIA ROMÂNTICA

 




“Orgulho e preconceito” pode não ter sido o primeiro livro a criar um romance delicado, complexo e bem estruturado, mas com certeza foi o mais marcante na história da literatura. Isso porque a literatura inglesa sempre foi muito prática. Dramática sim, mas também muito prática.


Existe um meme sobre literatura que diz que na literatura francesa os personagens morrem por amor. Na literatura russa eles apenas aceitam que vão morrer. Na literatura estadunidense, personagens morrem pela liberdade. E na inglesa morrem por honra. E com o romance, na literatura, é assim também. Personagens de romances ingleses sofrem por honra, mantém seus amores por honra também. E Jane Austen soube ler essa característica de seu povo com uma perfeição visceral.


Elizabeth está presa em seu orgulho ferido, sr. Darcy está ofendido com seu preconceito contra os Bennett. Ela também tem preconceito sobre seus pontos de vista em relação a ele, enquanto ele tem orgulho de sua condição e mente, e se agarra a isso com a vida. E assim os valores e a honra pessoal. Eis, então, a primeira comédia romântica impactante da literatura.


RICO CHUTA POBRE


Obviamente, Jane Austen não escreveu seu livro com a ideia de comédia romântica. Esse conceito nem existia na época. Mas acabou que foram seus romances que despertaram a alma da comédia romântica na literatura e no cinema (posteriormente).


“As patricinhas de Beverly Hills”, por exemplo, é inspirado em “Emma”, que é um romance de Jane Austen. Podemos entender várias situações clichês de comédias românticas que saíram de suas histórias, afinal, seus romances foram os precursores de alguns deles. E o tema “rico chuta pobre” é um caso.


Tem CEO e uma pobretona? Agradeça a Austen. Tem um rico esnobe que passa a amar uma garota de vida humilde? Jane Austen. Uma garota durona que não quer saber de casar, mas adora arrumar homens para as amigas? Austen também. Se apaixonou pelo melhor amigo e esperou ele perceber que ela não merecia estar na friendzone? Austen. Triângulo amoroso com golden boy e bad boy? Melhor amiga que traiu a confiança da protagonista? Uma segunda chance para um amor que já deu errado? Austen, Austen e Austen.


Seus livros ficaram famosos por suas perspectivas novas sobre romances românticos, criando e reforçando grande parte da estética clichê que usamos hoje. Muitas de suas fórmulas ainda são enaltecidas e usadas nos romances atuais, simplesmente porque funcionam muito bem. E a gente se apega, claro.


LENDO ROMANCES


A leitura de romances sempre foi considerada inferior, uma leitura “de mulher”. E tudo que é “feito para mulher” é considerado ruim. Por isso as mulheres começaram a escrever suas próprias histórias, e Jane Austen aderiu a isso para colocar finais em percepções de homens sobre mulheres.


Suas protagonistas são decididas e apaixonadas, e fortes. Seus protagonistas são almas sensíveis presas em corpos socialmente brutalizados – afinal, o patriarcado e o machismo afetam até mesmo os homens. Pelas mãos de Austen, os romances ganharam uma perspectiva feminina racionalizada. E seu deboche sobre esse tópico foi tanto, que “A Abadia de Northanger” é um livro sobre a visão masculina sobre romances e a percepção feminina sobre sua própria criatividade.


Desde Austen, a leitura de romances passou a ser algo mais frequente em homens também, e gradualmente parou de ser marginalizado o homem que gosta do gênero. E repito: simplesmente porque funciona.


A peculiaridade de Austen vem da noção de que – mesmo sendo uma obra de romance de costume –, o romance romântico é o foco principal. Temos toda uma trama de deboche social acontecendo, enquanto o casal principal se apaixona. E é durante o efeito da paixão, que o casal aprende sobre os próprios defeitos e se reconstrói.


A INVENÇÃO FINAL


Uma vez uma amiga me disse que não entendia o que eu tanto amava em Jane Austen. Por que, afinal de contas, eu considerava “Orgulho e preconceito” o melhor livro já escrito? E, como uma autora (mesmo que anônima e tímida), eu queria tanto escrever romances românticos ao invés de criar uma protagonista feminina autossuficiente?


A resposta é óbvia: porque todas as protagonistas de romances são autossuficientes. Estar apaixonada não quer dizer que se tornou alguém burro e vazio. Pelo contrário!


Essa amiga em questão era apaixonada por Edgar Allan Poe, consumia terror e suspense escritos por homens, e hipervalorizava a escrita masculina. Para ela, literatura feminina que prestava, era apenas a literatura pedagógica. Ironicamente, essa mesma amiga não passava longos períodos solteira. E quando estava solteira, estava sempre em busca de um envolvimento rápido.


Seria difícil explicar para ela que, no universo de Austen, ela era Lydia Bennett.


A questão sobre o amor romântico dos livros, quando bem escrito, é que ele é um estudo social. A maioria pode ser analisado como um romance de costume, e pode ser usado como métrica satírica sobre a sociedade em que vivemos. Só que a maioria das pessoas não está pronta para essa conversa, porque a palavra romance as afugenta para longe.


O que torna uma literatura inferior é o modo como ela é feita. Até histórias pré-adolescentes sobre fantasia podem ser arma de conhecimento. Só precisamos de uma autoria excelente e um público atento. Mas se você pega um romance romântico (especialmente uma comédia romântica) e o lê apenas focando no romance do casal principal, tudo que for desse gênero vai te afugentar. Comédias românticas nunca são sobre o amor, mas sim sobre como o amor nos ajuda a ser pessoas melhores – ou nos causa traumas que precisamos superar.


E isso acontece porque o romance está em nossas vidas. Seja da forma que for, ele está lá. Mesmo quem não vive um por opção, por orientação sexual ou por falta de oportunidades, sempre tem uma história para contar. E essa história que temos para contar, sempre conta algo sobre nós mesmos. Em resumo: romances são sobre pessoas, seus passados e suas emoções.


Jane Austen viu isso. Escreveu isso. E ainda estamos reproduzindo suas histórias, em diversas versões. E fazemos isso porque entendemos a importância dessas histórias. Seja pelo nosso prazer ou pelo nosso desgosto.


Olive Marie ♥

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