O GRANDE HOTEL BUDAPESTE: QUESTÃO DE NARRATIVA

 




“O grande hotel Budapeste” foi o primeiro filme de Wes Anderson que assisti. E fiquei instantaneamente fascinada. Inevitavelmente fascinada.


Independente do elenco, o que me fez ficar apaixonada foi o dinamismo do roteiro e os cenários abundantes, delicados e coloridos. A história parecia acontecer em uma vila de casas de bonecas. Me lembro de querer fazer parte daquele cenário…


Se tivesse assistido esse filme hoje em dia, pensaria na música “Comme au cinéma”, de Clou. Mas na época pensei na moda candy color que ilustrava meus ensaios fotográficos preferidos de moda, pensei em “Maria Antonieta” de Sophia Coppola e pensei que algo fazia sentido com a delicadeza estética de Hayao Miyazaki. De novo: fiquei fascinada.


Com o tempo, porém, o que passou a me encantar na história foi como a narrativa era mais política do que parecia.


UM ELENCO CÁ, UM ELENCO LÁ 


Wes Anderson usa um truque que alguns diretores costumam usar: o repeteco de elenco. E com isso eu quero dizer que seus filmes estão sempre com os mesmos rostos.


Bill Murray, Owen Wilson, Adrien Brody e Tilda Swinton são apenas alguns dos principais nomes que se repetem em sua obra. Por si só, eles já me fariam assistir a um filme, seja pela capacidade cômica ou pela capacidade dramática. E tive que esconder meu ranço da atuação de Saoirse Roman em prol de uma história em contada.


Por outro lado, fica difícil fingir inocência sobre o mesmo elenco quando o assunto é a vida pessoal… Quase todos os ótimos atores que fazem parte dos elencos de Wes Anderson têm histórias estranhas em suas vidas privadas. O próprio Wes Anderson, se não me engano, assinou uma petição em favor de Roman Polanski voltar aos EUA…


E com todas essas personalidades questionáveis, o roteiro ironiza o nazismo com uma classe tão pertinente… Falam, não apenas de política do século XX, mas de classes sociais de um jeito até filosófico. Quase didático.


“QUASE DA FAMÍLIA”, DONA RUTH


Fugidos da Europa pós-Segunda Guerra para não serem presos, os membros da família de uma garota que foi minha colega de classe exibiam os ensinamentos nazistas na mesa de jantar para qualquer convidado desavisado. Supremacia Branca, xenofobia, intolerância religiosa e frases prontas saídas direto de propagandas extremistas eram o básico por trás dos comentários elitistas.


Ainda assim a mãe dela, dona Ruth (spoiler: o nome verdadeiro dela não era Ruth), adorava falar para todos que a faxineira da família — preta e periférica — era como um membro da família. A empregada ganhava menos que um salário mínimo no fim do mês, comia de pé nos fundos (entre as fezes não recolhidas do cachorro comprado pela bagatela de 15.000 reais) e fingia não ouvir as ofensas disfarçadas de elogios ácidos. E enquanto o discurso bonito de que a funcionária, que os visitava duas vezes na semana era da família, era comprado facilmente na porta da escola (majoritariamente branca, rica e vinda da Europa há gerações), os comentários de como ela jamais cresceria na vida eram disparados aos colegas dos filhos do casal como um “incentivo ao estudo”.


Mandei “O grande hotel Budapeste” para a garota, como uma indicação que mascarava a piadinha sobre a interpretação impecável de Adrien Brody como nazista. Pouco antes tínhamos feito um trabalho sobre “O pianista” para a aula de história… Foi prazeroso assistir ao asco dela — destilado em suas redes sociais privadas — ao enredo de um empregado indiano e “sem nome” herdando um hotel de luxo em um país no coração branco da Europa.


Novamente: didático 


A CHAVE DA NARRATIVA


Enquanto Neil Gaiman faz cosplay de “Laranja Mecânica” em seus livros e Wes Anderson usa a vida privada para apoiar Polanski, algo em “O grande hotel Budapeste” debocha da vida excessiva, burlesca e “complexa” de Hollywood. Tudo isso sem tocar no nome de Hollywood.


“O grande hotel Budapeste” é, justamente, sobre como os povos marginalizados e não vistos da Europa são capazes de chegar ao topo da forma que nenhum herdeiro europeu pensaria: com trabalho duro, de forma limpa e com fidelidade própria apesar das humilhações externas. E mesmo que eu odeie o discurso de meritocracia, acho divertido ironizar sobre a verdadeira capacidade de alguém considerado esquecível e como alguém assim é muito maior do que gente que já se acha no topo do mundo.


E é claro que não era isso exatamente que Anderson queria contar, mas a narrativa de como povos “zero” conquistam as coisas foi o que prevaleceu. E, particularmente, adoro que tenha sido assim.


Ainda precisamos de histórias como os humilhados persistem e vencem. E eu fico grata por essa ser uma dessas histórias.


Olive Marie ♥