CORALINE: NEIL GAIMAN E A BOA HISTÓRIA

 




“Coraline” está longe de ser meu filme de terror infantil preferido, mas foi ele que me apresentou a Neil Gaiman. Quando assisti ao filme, senti que a história era maravilhosa e decidi conhecer mais do autor.


Na época, o livro de “Coraline” ainda não existia no Brasil, por isso apelei para outras obras dele, como seus livros de contos, e foi então que descobri que Henry Selick era melhor do que eu já imaginava.


Ainda não li o livro, mas continuo achando que o filme só é bom por causa de Selick. Afinal, ler Neil Gaiman foi uma tortura, e peguei preconceito contra ele pelo resto da minha vida. O que quer dizer que as acusações recentes só reforçam minha antipatia…


NEIL GAIMAN, BEM AO ESTILO EUROPEU


Apesar de ter muitas de suas histórias adaptadas para o cinema e a televisão por estúdios estadunidenses, Neil Gaiman é inglês. E sua nacionalidade fica bem óbvia quando lemos sua obra.


Isso acontece porque é comum produções estadunidenses filtrarem linguagens e cenas explícitas. E mesmo que sempre tenha existido liberdade poética em obras estadunidenses para nudez, produtos ilícitos e seus semelhantes, de um modo geral, os EUA é um país majoritariamente conservador.


Em contrapartida, a Europa é muito mais aberta a conteúdos explícitos, no grau que for. E como diria a minha primeira professora de francês: “você sabe se um filme é francês pela quantidade de nudez, e não pelo ritmo da história, como o grande público acredita.”


Errada ela não estava.


Mesmo com o puritanismo inglês, a Inglaterra também tem sua arte livre, preservando conteúdos explícitos com bem menos preconceito. E Gaiman é bem europeu quando escreve. O problema é que a linguagem europeia não combina com ele…


Gaiman – ao meu ver –, se aproveita do seu estilo conterrâneo para mascarar bizarrices com teor pedófilo e naturaliza a sexualização e a fetichização de corpos femininos em pontos de vista misóginos.


APESAR DE TUDO, TEMOS AQUI UM BOM PLANO


Independente de eu gostar dele ou não, seja como pessoa ou como autor, preciso assumir que suas histórias têm potencial. “Coraline”, entretanto, se destaca e tem um reflexo promissor de sua melhor versão.


Henry Selick obviamente salvou a obra, garantindo um roteiro maravilhoso (para além de sua direção impecável). Só que o plano de fundo da obra também já era bom.


Por si só a história já debate sobre o que é a infância e qual a importância do convívio, refletindo sobre o impacto imediato no desenvolvimento infantil sob mantos familiares de negligência emocional e falta de estímulo afetivo e criativo. Assim como a obra também questiona momentos históricos que quase não chegam nas gerações que os perdem.


Mesmo ficcional e fantástica, a obra pode ser um bom ponto de educação para as crianças sobre os perigos do mundo ao nosso redor, e também funciona como um estudo emocional das nossas próprias infâncias.


O terror real não são os olhos de botão, mas o impacto emocional de uma infância solitária e negligenciada.


MA DIMMI LE TUE VERITÀ


“Coraline” também é uma canção da banda italiana Måneskin, e toda vez que eu a ouço, fico arrepiada. Na letra, a história de Coraline é que ela pode contar a sua verdade…


E mesmo que não seja uma música inspirada na história de Gaiman, a referência é óbvia e a associação é inevitável. Coraline, nessa versão, cria vida própria e nos questiona, indiretamente, quais são as nossas verdades sobre nós mesmos.


A versão que fica é de que “Coraline” é uma boa história, e funciona como tal. É responsável por catapultar Neil Gaiman para países que ele ainda não tinha chegado e conta uma versão curiosa sobre a perspectiva infantil em famílias ocupadas e negligenciadas.


E também fica de lembrete de que alguns autores têm apenas uma história boa para contar. E que, infelizmente, esses são os que mais ganham reconhecimento em cima de suas obras.


Olive Marie ♥