AMOR E INOCÊNCIA: A ARTE DE FICCIONAR
Como toda fã de carteirinha de Jane Austen, assisti “Amor e Inocência” pelo menos duas vezes na vida (spoiler: eu tenho o DVD do filme e já assisti tantas vezes que nem sei como não furou o disco). E o que mais amo no filme é o romance de Jane e Tom.
Só que o que realmente me fascina nessa história é que esse não é um filme documental, mas se vende como tal em certos momentos. E se vende não por um marketing específico, mas pela sua narrativa. “Amor e Inocência”, para resumir, fez o que a própria Jane Austen adorava fazer: montou um discurso linear.
Enquanto a trama aborda uma paixão irrefreável entre Jane Austen e sua figura completamente oposta, Tom Lefroy, a vida real trilhou caminhos diferentes; apesar do mesmo fim desastroso.
WITH ANNE HATHAWAY
Interpretada por Anne Hathaway, a Jane Austen do filme é impetuosa e irritadiça; e canaliza sua escrita por caminhos narrativos mais criativos depois de conhecer Lefroy. Mas a história esquece de mencionar que antes dele, “A abadia de Northanger” já tinha sido escrito. Assim como toda a sua juvenília.
Na vida real não houve tempestades causadas por Austen e Lefroy. E, se houve, o grande público foi impedido de degustar da informação como gostaria. Lefroy, na verdade, viria a afirmar que conheceu Jane Austen, mas que as especulações sobre eles estavam equivocadas.
Lefroy, no entanto, teve uma filha que batizou como Jane e documentos comprovam que Jane Austen morreu com muito do segredo para si, enquanto ele mentia abertamente sobre seja lá o que foi que houve entre os dois… Mas será que a história foi tudo que o filme quis transmitir?
AKA ELIZABETH BENNET
Claro que Lefroy e Austen foram, em algum momento, mais do que bons amigos, mas não é possível afirmar que tenha sido como no filme. Isso porque, enquanto assistimos, pensamos em Elizabeth e sr. Darcy.
E mesmo com a óbvia influência que Lefroy teve sobre o sr. Darcy, seria justo inverter as coisas e usar sr. Darcy para criar Lefroy? Ou Elizabeth para criar Jane? Particularmente, acho injusto…
Minha tendência é sempre me cobrar de pensar que pessoas reais inspiram personagens, mas que caracterizar pessoas reais como personagens é covardia. Em especial porque sabemos que, nessa versão da história, tudo se torna caricatura. Ao assistirmos, vemos Elizabeth e sr. Darcy, não Jane Austen e Lefroy.
Sinto que a produção atirou para o lado mais seguro, que era recontar “Orgulho e preconceito” como se fosse exatamente a vida de Jane Austen. Simplesmente porque essa já é uma fanfic que se vende bem sozinha. Todo mundo já imagina isso assim mesmo.
A MALDIÇÃO DA FANFIC DO CRIADOR
Quando descobrimos que Shakespeare escreveu que uma vida era pouco para amar sua esposa, fica fácil imaginá-lo ao lado de sua esposa, Anne, em um cenário ao estilo “Romeu e Julieta”. Do contrário, ninguém teorizaria que Anne Hathaway e seu marido são Shakespeare e sua Anne.
E quem não sabe que “Jane Eyre” é uma auto fanfic de Charlotte Brontë?
E se é assim, por que Jane Austen não teria feito o mesmo? Se autores só conquistam público falando de si mesmos em seus títulos mais populares, sabemos que Austen fez o mesmo.
Só que há um porém… Autores aumentam suas histórias, e só assim conquistam a paz interior. Por isso me incomodo com a forma com que a história foi contada. E isso não exclui o filme da minha lista de preferidos da vida, apenas me oferece outra perspectiva sobre a versão real da história.
E, ao mesmo tempo, me questiono: por que nos é importante, como público, colocar nossos ídolos como produtos do que queremos deles? O que torna tão prazeroso o hábito de criar fanfics de nossos ídolos? E por que isso nos alimenta tão bem?
Olive Marie ♥