O MENINO E A GARÇA: PEDIR PERDÃO EM MIYAZAKI

 




Recentemente assisti ao filme “O menino e a garça”, que é a promessa de Hayao Miyazaki para uma aposentadoria já adiada. E fiquei apaixonada.


Quando achei que seria impossível amar ainda mais Miyazaki, mas seu novo filme me relembrou que tudo é sempre possível nesse contexto. Porque a vida contada no filme fala por si mesmo, sempre…


Mahito é apenas um jovem tentando lidar com o luto da perda da mãe, com o casamento do pai com a sua tia e com a mudança da capital para o interior. Somar isso ao irmão que vai nascer, à Guerra que continua se expandindo e ao bullying sofrido na escola, seu emocional fica mais frágil a cada dia, e a garça-real o perturbando em casa não ajuda em nada.


O MENINO


Hayao Miyazaki ama a aviação, ama criar histórias que nos fazem flutuar para além de nossos corpos, e ama contar histórias que dizem mais do que somos capazes de ver em tela. E quase todos os seus protagonistas compartilham características importantes sobre esses três amores do diretor.


Quase todos.


Mahito quebra esses padrões. Porque, diferente dos demais personagens que protagonizam os filmes de Miyazaki, Mahito demora para descobrir qual é o seu objetivo principal. Sua relação com o voo é apenas o seu pai e ele não quer contar uma história.


É o primeiro filme de Miyazaki que, na verdade, seu protagonista quer apenas se desculpar.


Mahito embarca em uma aventura na misteriosa torre da sua família para entrar em comunhão com a tia-madrasta, com a memória da própria mãe e com a nova versão de si mesmo. E ele passa seu tempo nesse limbo emocional tentando contar sua própria história para si mesmo.


A GARÇA


Pela simbologia, a garça representa o poder de olhar a vida com amplitude e liberdade, e no Japão, a garça simboliza a paz e a imortalidade. E é a garça o animal mais reproduzido em origamis.


É justamente o tsuru (a garça) que se materializa como um guia espiritual para Mahito quando ela precisa equilibrar seu emocional.


No filme, a garça abriga um ser quase humano dentro de si, e é essa figura masculina escondida na pele da garça que ensina à Mahito importantes lições sobre lealdade, perseverança, honestidade e espiritualidade.


Sua incapacidade de se dar bem com Mahito vem de uma importância em debater valores. E quase como um Grilo Falante, a garça conduz Mahito para uma experiência de silenciamento, luto e autoconhecimento.


MIYAZAKI EM LÍNGUA DE SINAIS


Quando o filho de Hayao Miyazaki, Gorō Miyazaki, fez seu primeiro filme, Hayao saiu da sala de exibição porque considerou o filme uma porcaria. Quando seu amigo e sócio Isao Takahata faleceu, Miyazaki se fechou em seu luto silencioso. Quando um funcionário querido faleceu (ao que tudo indica, por complicações provenientes do estresse), Miyazaki não pode se despedir e agradecer como queria.


E agora Miyazaki está velho. Sua energia física já não é como antes e é factual que em algum momento nos próximos 20 anos (deixa eu achar que ele chega aos 100), ele vai nos deixar. E mesmo que eu queira muito que “O menino e a garça” não seja seu último trabalho, tenho que aceitar que provavelmente vai ser.


Mahito usa a ajuda da garça para chegar ao tio da mãe, um homem já muito velho, na Torre. É esse tio quem oferece à Mahito o poder de criar um mundo pacífico, mas é Miyazaki quem parece o tio. E também é Miyazaki quem parece Mahito.


Em um tom confessional de adeus, Hayao Miyazaki nos conta um truque novo com o “O menino e a garça”. Ele se desculpa, ao seu próprio modo, por ser humano demais. Ele finalmente pede perdão. Perdão por seus lutos mal resolvidos, por sua rigidez emocional familiar e por seus acessos de perfeccionismo.


Esse é, muito provavelmente, o filme mais Miyazaki que ele já fez.


Olive Marie ♥