A LUNÁTICA DE ÉTRETAT: A PREVISÃO DE TEMPOS VINDOUROS
Eu passei a vida sonhando com o dia que seria mãe. Escolhi os nomes ainda jovem e decidi que teria mais do que dois, porque meu amor maternal calhou de existir e se manifestar cedo, e sempre fui uma criança solitária e queria que meus futuros filhos não o fossem. Porém, eu não serei mãe.
Entre todos os meus maiores sonhos abandonados pelo destino, a maternidade é o que mais dói. E mais dói porque ele reúne diversas causas que são igualmente dolorosas…
E enquanto me queixava disso na terapia, ouvi a seguinte pergunta: “você conhece a pintura “A lunática de Étretat?”
Não conhecia.
Mas agora eu amo.
O LUTO, O SURTO, O ERRO
Inicialmente, ao primeiro olhar, entendemos a obra como uma representação da dor. Seja pela ideia de uma mãe que perdeu seu bebê recentemente ou pela angústia do querer e não poder. Afinal a arte é, entre todas as coisas, a principal comunicação fácil de se tirar de contexto.
Na arte, assim como os vídeos de cortes de podcasts, é fácil fazer com que a interpretação seja livre, criativa, fictícia e, em especial, oportuna. Eis, então, a origem do ditado: é preciso ver o quadro todo.
E enquanto pesquisava sobre a obra, encontrei várias questões a serem analisadas… O olhar sanpaku da mulher faz seu olhar mais triste ou mais assustador? Ela realmente queria uma criança ou perdeu uma? Dependendo da resposta, qual a necessidade de substituir essa criança por um tronco? Qualquer uma dessas questões a classifica como lunática por causa da “histeria feminina”?
Seria Hugues Merle, um homem no ápice do machismo europeu do século XIX, capaz de representar tão bem tal agonia de questão feminina?
Se sim… Qual a intenção do placebo psicológico?
E se a mulher for, na verdade, uma questão política? Se ela for a França, a interpretação feminina deixa de existir ou de impactar?
A AUSÊNCIA E O DESEJO
Recentemente a onde de bebê reborn aumentou completamente, fazendo com que várias discussões sobre fossem levantadas sobre. E as primeiras observações são sobre o descaso e a ridicularização social com coisas consideradas femininas e o questionamento sobre saúde mental. E todos os argumentos são válidos. Exceto um: fingir que nada está acontecendo.
Na mesma semana em que um homem agrediu um bebê pequeno porque achou que fosse um reborn, vi uma influenciadora política dizendo que ninguém está andando com bebê reborn por aí fingindo que são crianças de verdade.
E ambos os casos me enfureceram drasticamente.
O caso do homem me enfureceu porque é descabido que alguém agrida uma criança. Só que também é descabido que isso tenha acontecido por causa de excessos de vídeos movidos por um algoritmo nas redes sociais. O que levou esse homem a fazer isso foi um sentimento parecido com o das pessoas que passaram pelo pânico satânico?
É fato que, independente da resposta, o que dá à ele o direito de se irritar com um suposto brinquedo que nem é dele?
Por outro lado, o que a tal influenciadora tem na cabeça para achar que não há mulheres desesperadas o bastante para precisarem desse placebo emocional a ponto de o usarem abertamente, em ambientes completamente públicos?
A VIDÊNCIA PREMONITÓRIA DO CAOS
Quando Hugues Merle pintou “A lunática de Étretat”, seu foco era o cenário político e econômico de seu tempo, mas não quer dizer que não haja premonição na obra. Afinal, o Brasil de 2025 reúne mulheres em espaços públicos para conversarem sobre seus bonecos que imitam bebês.
Só que esse discurso tem mais camadas…
Enquanto algumas pessoas argumentam que está tudo bem mulheres serem viciadas em bonecos porque homens são viciados em futebol, há outras questões abordadas… Um exemplo claro é o fato de que os brinquedos “de menino” sempre viram profissões, como a bola que incentiva ao esporte, a arma que incentiva a polícia (ou o crime *coff coff*), o videogame que os incentiva a programação e etc, enquanto as mulheres seguem se interessando por brinquedos que as tornam mãe e esposa. E quando não é para ser mãe e esposa, é para infantilizar sua imagem, como os ursinhos de pelúcia e os livros de colorir.
Levei a questão para a terapia e disse que sinto que toda essa polêmica sobre Labubus, bebês reborn e livros de colorir não são sobre o machismo óbvio de que ser mulher vai ser sempre uma polêmica. Eu acho, verdadeiramente, que existe mais.
Cresci escutando que mulheres amadurecem mais cedo. Só que eu sei que isso só é verdade porque a sociedade nos cobra mais cedo. Eis a puberdade que não me deixa mentir…
Garotas menstruando aos 11 anos escutam que devem ficar duplamente longe dos meninos, porque engravidar é um risco e tira a liberdade, a juventude, as oportunidades e “deforma” um corpo que não tem preparação nenhuma para gerar e parir. Meninos com 11 anos tendo uma ereção é completa vitória masculina.
Se tornar mocinha traz responsabilidade, mas se tornar mocinho traz dignidade. Então me pergunto: essas mulheres não estariam apenas tentando recuperar suas infâncias roubadas pela questão “biológica” da coisa de supostamente amadurecer mais cedo?
Independente disso, não acho que esse seja um sinal do fim dos tempos. Pelo contrário! Acho que esse é só mais um reflexo de uma saúde pública falida, consequência de um de um sistema que segue fazendo meninas se tornarem mulheres e meninos jamais se tornarem homens. O mesmo que proíbe mulheres de se tornarem meninas e libera homens serem moleques.
“A lunática de Étretat” é mais do que um reflexo da França de 1871. A obra também ilustra o Brasil de 2025. A obra prova que quando a política está em crise, o mundo está ruindo e nos sobrou pouco, como mulheres, buscamos algo de infantil em nossos corações e nos ocupamos de brincar de ser adulta nos dias úteis.
Olive Marie ♥