CARTAS DE JANE AUSTEN: OS ÍDOLOS QUE TEMOS
Recentemente resenhei o livro no meu Instagram, mas sinto que há mais a falar…
Ser fã de Jane Austen me fez crescer e envelhecer sendo sarcástica, descrente do charme natural das pessoas e certa de que a vida sempre pode nos surpreender, tanto para o bem quanto para o mal. Mas ler Jane Austen fora dos ambientes controlados de seus romances não apenas corrobora com o que já sabia dela por seus livros, mas cria algo novo: sua voz menos politizada.
A Jane Austen das cartas não estava interessada na boa política social. E apesar de falar muito sobre casamentos e visitas, debater sobre as guerras napoleônicas e ridicularizar pessoas burras, Jane Austen queira falar sobre o amor.
E, em sua maioria, não do tipo de amor que alimentava em seus livros. Jane Austen era plural.
FILHA, IRMÃ, TIA E AMIGA
Antes de falar o que quero, preciso debater os amores que Jane Austen se permitiu ter. E preciso falar disso, para poder falar sobre arte e artista.
Jane Austen falava mais sobre a saúde da mãe do que qualquer um poderia imaginar. Como irmã, por outro lado, Jane Austen era tudo que sempre imaginei. Também era uma tia prestativa e carinhosa; e como amiga era fiel.
E Jane Austen era tão ácida com as pessoas ao redor quanto seus livros sugerem. Em alguns momentos, era até mais ácida. Mas não com quem amava, e isso abre debates…
Austen ficou famosa escrevendo sobre o amor romântico, focada em encontrar relacionamentos que funcionassem para cada uma de suas personagens deslocadas e peculiares. Só que foi escolha pessoal não se casar e viver uma vida dedicada à escrita e à família. Ela não dava sinais de infelicidade ou de sentimentos complexos por não se sentir amada romanticamente.
E surge aí o debate… Se Jane Austen era infeliz sem um amor romântico próprio, seria ela capaz de escrever sobre tal amor com autoridade?
“SER OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO”
Tive uma amiga que, uma vez, sugeriu de forma bem direta e passiva-agressiva que talvez eu tivesse que parar de escrever sobre protagonistas que não se apaixonassem. Sua frase exata foi: “você já tentou escrever algo diferente? Por que você não escreve algo sobre uma mulher que fica feliz sozinha?”
Eu sou rancorosa, mas não sou mal educada. Poderia ter dito que eu tinha todo o direito do mundo de escrever sobre mulheres se apaixonando, da mesma forma que ela saía pegando geral, na busca de um amor para não morrer sozinha? Poderia. Deveria, na verdade, ter perguntado: “se o romance é tão sem importância, por que você aceitou ir para um canto afastado, no meu aniversário de 15 anos, com o meu irmão – sete anos mais velho –, sabendo que ele queria ficar com você? E por que fez um escândalo sobre seu ex-namorado, na festa de 15 anos da fulana, poucas semanas depois de ficar com o meu irmão, bem no momento da cerimônia das valsas? E por que você tinha o contato de dois caras diferentes e ficou com o primo do namorado de uma de suas amigas, enquanto os outros dois achavam que vocês estava passando mal?”
Não disse nada disso. Mas disse: “por que ninguém abre mão do amor e se apaixonar é algo que acontece.”
Fiquei surpresa ao descobrir que Jane Austen também acreditava nisso. Só descobri isso agora, dez anos depois de quase ter sido rude com alguém que merecia, enquanto defendia o amor a Austen também defendeu. Inclusive, qual a surpresa? Sempre simpatizei com os discursos de Jane Austen, enquanto essa amiga dizia que não tinha visto nada demais…
Ser quem dizemos ser ou não ser, eis a questão.
O AMOR INDIRETO
Eu sou fã de Jane Austen, até tendo a assinatura dela tatuada, mas não a amo como pessoa. Eu a amo como fã. Eis o amor indireto.
Ao ler suas cartas, pude confirmar que leria de bom grado até sua lista de compras, mas admito que tive medo. Não me arrependeria da tatuagem e nem deixaria de amar seu trabalho, mas seria decepcionante descobrir que sua pessoa privada não merecia o meu respeito.
E digo isso porque acho completamente plausível admirar o trabalho de alguém sem admirar a pessoa, assim como é possível admirar a pessoa mas odiar o trabalho. Exceto, é claro, quando fica impossível o artista da arte serem distanciados. E como diria minha mãe: “esse tema ainda dá muito pano para a manga”.
Descobri que ainda tenho orgulho de ser fã de Jane Austen. Fiquei feliz por isso. Mas não apenas feliz. Fiquei satisfeita.
É fácil, nos dias de hoje, encontrarmos pessoas que não merecem nosso respeito ou admiração, e que sua arte precisa ser punida para que a conta da falta de caráter seja cobrada. E isso também diz muito sobre nós.
Somos capazes de escolher os ídolos que temos. E espero que possamos escolher com atenção; especialmente nesses nossos cenários tão caóticos.
Olive Marie ♥