FRIDA KAHLO - PARTE 2: O QUE NASCE DA DOR FEMININA

 



Tem uma coisa que amo acima de tudo em Frida Kahlo… Seu olhar. A forma como ela parece ler as pessoas para quem olha por meio das lentes fotográficas de seu tempo. A forma melancólica com que conseguimos ler seu ardor, sua intensidade, sua agonia.


Frida Kahlo não foi uma mulher que nos deixou uma marca forte porque sabemos sua biografia e conhecemos sua obra. Frida Kahlo foi mais que isso, foi intensa. E, talvez, se alguma foto sua tivesse sobrevivido sem que soubéssemos de sua verdadeira realidade, seria sempre lembrada como a mexicana que lia almas e transbordava sentimentalismo doloroso.


E é por isso que escrever sobre Frida Kahlo segue sendo um eterno desafio, porque condensar e resumir sua história e sua carreira parece tolice. Somado ao fato de que há muito a se conhecer da artista, para muito além de suas obras, parece uma missão quase impossível.


No entanto, parece um prazer entender e estudar ainda mais sobre Kahlo, seja na ocasião que for. E isso nos traz exatamente a esse ponto: a segunda parte de uma vida. Porque, mesmo que seja completamente possível contar tudo sobre Frida Kahlo em um único texto, algumas questões da sua personalidade merecem atenção. E como tal, nosso foco hoje é esse: explorar recantos peculiares e sua história e obra.


Estou motivada a contar com mais atenção sua relação com Diego Rivera, sua intenção com suas obras e como foram seus últimos dias - afinal, Frida Kahlo se tornou quase feroz no fim da vida. Arrancando uma força visceral para fazer sua história ter valido a pena, independente de sua fama ou de seu trajeto no caminho da arte.


A péssima metáfora para descrever sua história seria dizer que Frida Kahlo foi quase como um trem bala: voraz, ágil e desinibida. Inafetada pelas coisas mais óbvias que poderiam corroer sua alma, mas assumidamente sensível aos seus aprendizados pessoais.


DIEGO RIVERA: O AMANTE MAIS IMPORTANTE


Diego Rivera era uns bons anos mais velho que Frida, e tinha sido importunado por ela e seus amigos da escola enquanto pintava um mural na instituição. E apesar do momentâneo sentimento de agonia com as peças constantes que Frida lhe causava, algo próximo à admiração foi surgindo. Até mesmo quando Frida ainda namorava um colega de escola.


Apesar de jamais ter traído o primeiro namorado, tendo sido imensamente devotada à ele, Diego se instalou como uma sombra na juventude dela, e aos poucos o “sapo velho” - como ela o chamava -, se tornou alguém especial. E não sendo o bastante, Diego se tornou seu marido e alguém com quem Frida queria viver uma vida, ter filhos e envelhecer.


Durante os primeiros anos de casamento, Frida Kahlo assumiu o nome Rivera para si, e se sentia inconformada e ferida quando Diego se recusava a tratá-la como sua esposa em ambientes sociais. Apesar de dizer que compartilhava a vida com ela, Rivera gostava do gosto de enaltecer o sobrenome e as pinturas de Frida, dizendo a todos que ela era artista, que seu sobrenome era Kahlo. Que ela era alguém que estava com ele. Jamais algo definitivo.


Em certo momento da relação, Diego passou de casos aleatórios, que tiravam o eixo de Frida e lhe causavam dores emocionais insuportáveis, para algo mais cruel: Diego se envolveu romanticamente com a irmã de Frida. E esse foi o golpe mais sangrento, e também o mais devastador.


Apesar de todos enaltecerem a relação de Diego e de Cristina Kahlo, afirmando que seus filhos eram fruto da relação com o marido de Frida, a biografia escrita por Hayden Herrera não toca no assunto, deixando bem claro que os filhos de Cristina já eram nascidos - e muito amados pela Frida, inclusive -, quando o caso começou. E com a gota final, Frida e Diego se divorciaram.


O que se segue é um período interminável de luto, e muito gradualmente a descoberta da liberdade emocional. Eis, então, a sexualidade de Frida sendo aberta para a descoberta da bissexualidade e dos diversos amantes que se seguiram.


Não tanto tempo depois (questão de alguns anos), Diego e Frida voltaram a se casar, mas então Frida já era uma mulher despreocupada com as constantes traições de Diego, e aceitou a ideia de uma relação aberta, apesar de na época não ser exatamente nomeada desta forma.


Entre os amantes ocasionais de Frida Kahlo, que variam entre os dois sexos, Leon Trotsky foi o mais popular entre o imaginário coletivo. Com cartas e livros rondando ao redor do caso de alguns meses entre Frida e o revolucionário comunista russo, exilado no México por questões políticas, esse foi o principal romance a tirar Diego do sério sobre os casos de Frida.


Apesar de ele manter várias mulheres e se indignar com a insatisfação de Frida sobre isso, Diego não se importava se ela lhe traísse com mulheres, mas enraivecia com homens que transitavam na cama da esposa. O livro “Frida e Trotsky”, de Gérard de Cortanze, explora essa relação muito bem, driblando as emoções do casal entre as jogadas intelectuais de Trotsky e a afabilidade de sua esposa, Natalia.


A ARTE SOBREPONDO A VIDA


Falar da relação conturbada de Diego e Frida Kahlo é como andar sobre um campo minado, cheio de pistas erradas e passos complexos. Sua relação foi devastadora, tendo durado uma média de 20 anos, e tendo sido chamada de “acidente” pela própria artista.


E como uma pessoa sensível ao seu pessoal conturbado, as obras de Frida Kahlo também foram ganhando uma força devastadora e insolente, tentadora e provocante para pessoas desacostumadas a ver a brutalidade explícita da vida retratada na arte. E tal como Artemisia Gentileschi e algumas pintoras que antecederam sua obra, Kahlo se especializou em expor sua vida de forma espontânea e decidida. Escancarando em suas obras brutalidades sangrentas, como sua coluna aberta, seus abortos e sua visão sobre a vida e suas agonias.


Com um início tímido na arte, Kahlo começou pintando auto retratos muito promissores, enfatizando sua beleza pessoal e cores fortes que ela gostava, mas foi se soltando aos poucos e aumentando esse repertório artístico.


Lentamente, os autorretratos ganharam cores mais vibrantes, animais coloridos e típicos do México, e também foram ficando brutais. As telas mais famosas são “A coluna partida” e “As duas Fridas”. Uma sendo a representação da sua dor física, com o peso das dores e recorrentes cirurgias que fazia em consequência do acidente de bonde, a outra uma representação direta da Frida de Diego e da Frida que era sem ele. E como tal, sempre a figura de Diego ilustrando sua dor, seus pensamentos ou seu amor. Ele era como uma válvula motora para a paixão de Frida pela arte.


Também precisamos lembrar que foi Diego quem inseriu Frida no meio comunista, instruindo e incentivando sua participação de forma ativa no partido, e respondendo sempre às expectativas: ela aderiu. E se tornou ferrenha à medida que envelhecia.


Apesar do pouco interesse inicial, Kahlo foi se agarrando ao comunismo, estudando mais formas de entender os jogos políticos e se tornou uma parte ativa de protestos, fossem presencialmente ou de forma indireta. Ela até chegou a pintar Karl Marx em um de seus quadros, e sempre ilustrava versões singelas de seu próprio entendimento de marketing socialista em suas obras.


Frida Kahlo pintou sua realidade, movida pela ansiedade de tirar suas convicções de si mesma e externá-las, sempre de forma artística. Mas a única exposição completa que teve no México, ainda viva, chegou em seus últimos dias de vida e sua aparição pública foi um espetáculo inimaginável e indignado para os médicos. Ela partiu depois de dizer ao mundo que era capaz de resistir ainda, capaz de viver e de sentir a vida, e de - finalmente -, ter o que deveria ter tido quando viajou à Europa.


POR FIM: O FIM


Sem alarde e de forma completamente pacífica, Frida Kahlo partiu deste mundo em silêncio, sozinha em seu quarto, enquanto sua enfermeira/acompanhante estava em outro cômodo. Diego foi chamado, e como se algo dele próprio tivesse partido, definhou em questão de horas, perdendo todo o peso de glutão e beberrão que tinha acumulado em todos os anos de vida.


Ver fotos de Rivera no pós-morte de Frida Kahlo é assustador e apavorante, como observar uma múmia capaz de andar ou um zumbi sem desejo de cérebro. Ele estava irreconhecível, silencioso, melindroso e distante. Sóbrio da consciência de que tinha perdido a sua parceira mais fiel, sua amante apaixonada e sua melhor amiga. Parece desolador notar tal fato.


No entanto, a memória de Frida Kahlo resistiu a Diego e o sobrepôs, tornando-a a pessoa mais cativante e curiosa do par. Sua fama sendo reconhecida e legitimada para além de sua história de amor e seus causos, e resiste até hoje como um mito.


E como toda boa história inspiradora e voraz, Kahlo não apenas se tornou inspiração para outros artistas e um dos rostos mais conhecidos do feminismo e do comunismo atual, como também se tornou arte em si. Ultrapassando até mesmo suas próprias obras.


Em 2003 sua vida virou filme, com a interpretação impecável de Salma Hayek, e com transições de cenas que recriam suas obras mais marcantes. E posteriormente continuou surgindo em homenagens incontáveis no cinema, na arte e na literatura. Sua aparição mais recente no cinema foi pela Pixar, no filme “Viva - a vida é uma festa”.


Seu diário foi transferido em livro, biografias não param de surgir - livros que coletam suas pinturas e ficções que recontam trechos específicos de sua vida. Sempre presente em uma de suas tarefas mais preferidas da vida: a leitura. Frida Kahlo era uma intelectual convicta e reforçar sua obra e vida de forma literária é como alimentar parte importante do seu processo de continuar viva.


Inclusive, você sabia que a cantora Dulce María é parente de Frida Kahlo? Uma sobrinha-neta indireta, mas com o sangue da artista, e como tal, faz história no cenário artístico também. Ao seu próprio modo, é claro.


Frida Kahlo era como um tornado. E ela se mantém viva até hoje em nossas memórias e merece todo o nosso respeito, admiração e fervor. Por aqui, vou continuar enaltecendo seu trabalho e sua trajetória. Não há arte feminina sem Frida Kahlo, e não há Frida Kahlo sem amor ao intelecto.


♥ Olive Marie

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