O CONTO DA PRINCESA KAGUYA: A SUPERPROTEÇÃO

 




Há anos eu não assistia “O conto da princesa Kaguya”; mas recentemente mencionei o filme para a minha mãe, e como ela nunca tinha assistido, reassisti para lhe fazer companhia.


Revisitar essa história me fez pensar no silenciamento feminino imposto em qualquer sociedade (antiga ou moderna). Me fez pensar nas tradições orientais sobre classes sociais e castas. Me fez pensar na opressão masculina que gera tantas histórias femininas chocantes ou fantásticas. Mas também me fez pensar em algo que pouco se fala por aí: superproteção familiar.


O SOM DO SILÊNCIO


A primeira coisa que penso quando raciocino sobre a cultura oriental é o silêncio. São gerais e mais gerações de silenciamento. E não apenas o silenciamento feminino.


Apesar de “O conto da princesa Kaguya” nos relembrar histórias de abusos femininos pelo silenciamento em massa de suas narrativas. Pensamos nas mulheres de pés de lótus na China, nos casamentos arranjados na Índia, nas mulheres de conforto da Coreia…


Mas, se formos mais realistas e pensarmos pelo ângulo do silenciamento geral que vem dessas culturas, nos lembramos que os homens asiáticos também passam pelo silêncio em massa. E é claro que o silenciamento feminino é maior, contra fatos não há argumentos.


Porém, meu ponto nesse texto é falar sobre sistemas familiares. E a verdade é que a cultura asiática preserva o respeito aos mais velhos de formas mais rígidas do que o Ocidente, e a obediência (e em alguns casos a subserviência) filial é a principal regra básica da sociedade. Kaguya foi silenciada por ser mulher. Kaguya foi obrigada a obedecer por ser filha.


MÃES E PAIS IDOSOS


Kaguya é uma princesinha nascida do broto de um bambu, e aparece para um bambuzeiro idoso que já estava cansado do trabalho braçal. Ao encontrar Kaguya, ele a leva para sua esposa – também idosa –, e juntos eles criam a pequena princesa.


Como pais idosos, vemos o passar do tempo afligindo complicações nessas duas pessoas enquanto enfrentam o crescimento de Kaguya. Eles sofrem de dores nas costas e têm falta de agilidade para acompanhar a energia de um bebê recém-nascido. A idade avançada se tornou um problema para poder lidar com a maternidade e a paternidade tardia.


E não é incomum ver famílias com pais mais velhos sofrendo o dobro na criação de suas crianças. Especialmente se é gravidez tardia – que pode trazer riscos maiores em partos – ou adoções tardias – que contam com crianças ou adolescentes já formados e traumatizados com coisas graves. Tudo leva ao excesso de cuidados.


Pais jovens também podem ser super protetores, mas é mais comum ver essa ação vindo de pais mais velhos, e ainda mais comum ver isso em casais que demoraram muito para ter filhos. Pais que já perderam muitas gestações ou que sofreram demais em filas de espera de sistemas de adoção tendem a serem mais super protetores. O medo da perda, do desvio e da saudade causa ações extremas de controles comportamentais.


ONDE TUDO SE ENCONTRA


Cresci em uma vizinhança cheia de famílias japonesas. Uma pequena consequência da imigração em massa de japoneses fugindo da miséria de seu país natal, me fez enxergar muito da vida pela perspectiva asiática, em especial, a japonesa.


O silenciamento em massa dos membros mais novos de famílias japonesas tradicionais é ensurdecedor. Os pais mais velhos também são mais exigentes, e isso se choca em uma cultura pronta para esperar demais, cobrar demais e se chocar quando as metas não são atingidas.


“O conto da princesa Kaguya” reflete a adoção tardia e a espera do silenciamento de gerações mais novas. A história também traça um belo panorama sobre as expectativas sociais sobre as mulheres de seu tempo, debocha de criações camponesas e exalta com humor afiado as classes sociais mais abastadas.


Kaguya tinha um posto de princesa comprado, isso lhe rendeu padrões estéticos complicados e comportamentos delicados, sem contar os esquemas para que se casasse com algum nobre e se mantivesse em padrões de vida altos.


A superproteção de seus pais se uniu ao silenciamento filial e feminino, e fez de Kaguya uma filha disposta a fugir de casa para ficar longe do que esperavam dela. Estar longe, em segurança no campo, a fazia se sentir livre da supervisão excessiva de seu pai e sentir a liberdade de uma vida controlada por si mesma.


Olive Marie ♥