PRINCESA MONONOKE: TODAS AS NARRATIVAS QUE IMPORTAM
Que sou fã de Hayao Miyazaki, e que ele é meu diretor favorito, não é segredo. Mas a questão é que “Princesa Mononoke” está longe de ser o meu preferido dele. A brutalidade me deixa incomodada, a quantidade de sangue me deixa chateada e o contexto geral me causa desesperança.
Ainda assim, adoro a forma com que a narrativa é explicativa, em como diferentes pontos de vista precisam ser validados e qual a importância de ouvir todas as histórias antes de julgar os valores e os propósitos de cada um.
E é curioso que esse seja um filme essencialmente sobre narrativas, porque “Princesa Mononoke” não é exatamente um filme para crianças. E não apenas por sua brutalidade, mas também por sua contextualização.
COMO SE COMPORTAM OS HERÓIS
Lançado em 1997, “Princesa Mononoke” parecia uma realidade alternativa, mas hoje se assemelha com uma premonição. Afinal, a cada dia que passa, nos aproximamos ainda mais dos impactos extremos do aquecimento global. A natureza sendo destruída e explorada pela humanidade já não é uma questão reversível, mas sim um fato com apenas um lado da história.
E como quase todos os filmes de Miyazaki, “Princesa Mononoke” exalta a importância da natureza, a sua excelência e a obviedade de que vai continuar mesmo depois de nós. E a missão de San é salvar a natureza às custas dos humanos.
Como espectadores, entendemos que San é muito mais consciente sobre o papel dos humanos em relação a destruição da natureza por causa da sua vida. Ser criada com os lobos a fez desconhecer a sua própria humanidade, enquanto os outros humanos da trama tentam se unir para sobreviver às custas da natureza.
E é o choque das narrativas que faz com que San seja a heroína, já que levando em conta o aquecimento global, salvar a natureza é uma atitude mais nobre do que tentar preservar a raça humana.
O MUNDO SEM NÓS
Concluindo que Lady Eboshi é mesmo a vilã (porque nesse contexto os humanos são descartáveis mesmo), um novo ponto de vista sobre San nasce…
San é, apesar da sua negativa, uma humana. Salvar a natureza é importante, mas o que acontece com ela depois que sua missão se cumprir? Como humana, San está mais próxima do mesmo fim de Lady Eboshi do que dos lobos.
O que San passa metade do filme sem entender, parece-nos óbvio a olho nu: mesmo sem ela, o mundo vai continuar existindo. Simplesmente porque os humanos estão destruindo suas próprias formas de vida no planeta. Enquanto destruímos o planeta, acabamos com nossa forma de subsistência, justamente porque esquecemos que o mundo vai continuar.
Continuou depois dos dinossauros. Continuou depois da Era do Gelo. Continuou depois do fim da Pangea. E vai continuar sem nós. A natureza encontra seus meios.
POR ONDE ANDAM OS SÁBIOS
Deixar de comer carne nos faz deixar de compactuar com a intoxicação e o sofrimento de animais. Fechar a torneira enquanto escovamos os dentes nos faz economizar a água do planeta. Zerar o consumo de sacolas plásticas e fazer trocas conscientes sobre marcas alimentícias e cosméticos limpa nossa cabeça sobre torturas animais. Ir ao trabalho de bicicleta realmente ajuda a diminuir a quantidade de gases emitidos. Mas nada disso vai salvar o planeta.
Grandes indústrias continuam destruindo o meio ambiente por nós, emitindo gases por nós, gastando água por nós. Nossos esforços são válidos, mas sempre serão insuficientes.
De sábios temos aos montes no mundo, mas todos estão ocupados usando narrativas estranhas e arrumando guerras fadadas ao fracasso. E, de novo, a natureza encontra um caminho.
Diferente da realidade de “Princesa Mononoke”, nossa realidade não nos permite mudar de ideia sobre salvarmos o planeta ou as pessoas. Temos mesmo que escolher apenas uma das opções, e isso varia de acordo com os nossos valores pessoais. Tudo culpa, dos sábios que nos criaram.
Olive Marie ♥