TUDO O QUE EU SEI SOBRE O AMOR: O CONTRAPONTO DO ROMANCE

 




Eu li “Tudo o que eu sei sobre o amor” no início de novembro de 2024, anos depois de ter sido lançado. Curiosamente, na época de lançamento, eu deveria ter feito uma resenha do livro para o site de uma amiga, mas o livro nunca chegou na minha casa (provavelmente porque as editoras estavam confusas com as preparações da Bienal daquele ano), e a leitura atrasou.


No início de 2024, quando finalmente peguei o livro em mãos (comprei porque eu realmente queria lê-lo), me arrastei na ideia de começar a leitura. Parecia algo a ser degustado…


Acho que nunca me decepcionei tanto com um livro de ensaios na vida. Nem Eros Grau considerei algo penoso. Mas de forma peculiar, um livro que deveria falar sobre o amor me deixou frustrada.


Mesmo que com moderação, gosto do livro o seu tanto que merece. Mas tem uma narrativa que se some — ou se esconde — nos relatos de Dolly Alderton. O relato das pessoas solteiras por falta de opção, e não por escolha própria como ela mesma.


O QUE O TIK TOK VIU


Nos últimos dias de 2024, me apareceu um vídeo de uma youtuber falando sobre a solidão depois de uma certa idade. Curiosa, fui assistir. E posso afirmar que jamais chorei tanto assistindo a um vídeo do YouTube. Isso porque eu quase nunca choro assistindo algo no YouTube.


O vídeo em questão é um desses de conteúdo de react. O react era sobre vídeos de pessoas falando sobre o amor, e foi aí que eu entrei em um looping desagradável de sentimentos.


Com uma introdução meio básica, somos tragados para um vídeo de uma mulher de 42 anos falando que é solteira. Mas não apenas solteira, solitária. E não apenas solitária, involuntariamente solteira e solitária. Desdenhada, ao que tudo indica, por opções românticas que possa ter vindo a ter na sua vida. A chave do vídeo é: ninguém nunca a quis como uma opção romântica.


Um interlúdio desnecessário depois (desnecessário porque a youtuber fala um monte de clichês, durante o vídeo inteiro, sobre amor, o que ela própria entende como amor e possíveis causas para a solidão das pessoas as quais ela está reagindo), vídeos de uma garota de 19 anos também são submetidos a análise. Assim como a mulher mais madura, a garota de 19 anos se queixa da solidão involuntária. Ela, mais desinibida pela idade ou pela personalidade, tenta justificar sua solidão.


Garotas não escolhidas como opções românticas são abandonadas a bel prazer da chacota do Cupido por que são gordas demais? Nenhuma das mulheres reclamando de solidão são gordas demais. São feias? Definitivamente não. Têm defeitos? Claro, afinal, todos temos. São “empoderadas” demais? Masculinas demais? Independentes demais? Que mulher obrigada a ficar eternamente sozinha não se torna assim?


Se o mundo é uma selva, almas solitárias se transformam em feras pela lei da sobrevivência. Mas isso não quer dizer que não sejam carentes, saudosas, que não queiram amor. Não quer dizer que não são apaixonantes.


Margaret Tatcher era um canhão de empoderamento, mas se casou. Gente feia? Parafraseando Liam Neeson em “Simplesmente amor”: “Até o Ringo [Starr] se casou com uma gata”.


DOLLY ALDERTON X A MULHER DE 42 ANOS


O desabafo da mulher de 42 anos veio de um lugar muito profundo de dor, e a única coisa realmente válida dita pela youtuber que fez o react, dói mais ouvir essa mulher falar da solidão romântica do que a garota de 19 anos porque, aos 42, já se esperam coisas dela. Socialmente falando. Mas ela também espera mais de si.


E nem vamos entrar na questão do “sexualmente ativa”. Esse não é o ponto. Uma mulher de 19 anos espera o amor e o deseja, seja por luxo da juventude ou não, e quando não o tem se solidifica em um espaço de dor e esperança. Uma mulher de 30 anos com a mesma falta de experiência de uma de 19, se chateia com a sociedade ao seu redor que a cobra, indiretamente e diretamente, de compromissos sexuais e românticos. Aos 30 fica complicado ir a qualquer lugar, ter qualquer amizade, se você não tem um amor romântico.


Mesmo que fracassado, não ter tido alguém aos 30, fica complicado porque todos estão se casando, procriando ou divorciando. Quem não está fazendo isso, se senta na mesa das crianças nas festas de família. E enjoa e enoja ouvir todos ao redor falarem sempre sobre suas experiências românticas… Uma mulher de 42 anos já chegou ao nível de não se importar com esse surto social. O ponto já é sobre se sentir muito menos propensa a ter alguém para sofrer suas dores consigo.


Em todos os três casos, todas essas mulheres se sentem (inevitavelmente) menos mulheres, justamente por nunca terem sido vistas como opção. Mas Dolly Alderton não tem espaço na sua lista de amigas para a desgraça amorosa da solidão.


E sejamos realistas aqui, óbvio que seu livro é sobre si mesma. É um livro de ensaios, no fim das contas. Mas enquanto se debate sobre o que considera o amor, Alderton conclui que o amor existe em todas as formas. O que lhe importa é o amor que tem por sua família e amigas, e famílias de suas amigas e extensões de si mesma que reconhece nesses ambientes. Mas em nenhum momento do livro, Dolly Alderton fala sobre a falta do amor romântico, e de como pessoas maduras enfrentam isso.


“Tudo o que eu sei sobre o amor”, como o próprio título sugere, fala sobre o que ela sabe sobre o amor. E isso quer dizer que ela não sabe sobre a solidão da falta de amor. E isso só é possível porque, na lista de contatos de Dolly Alderton, não existem mulheres como essas.


O QUE NINGUÉM TE CONTA SOBRE O AMOR


Todo mundo sabe que o amor não se resume apenas ao romântico. Isso é inegável e completamente óbvio. Nascemos sabendo o que é o amor. Até mesmo psicopatas conseguem reconhecer o amor, mesmo que sejam incapazes de senti-lo.


Mas o que ninguém conta é que a sociedade é egoísta sobre o amor. E quando digo isso, não me refiro a pessoas que saem com mais de uma pessoa ao mesmo tempo (se bem que depende do contexto desses encontros… se tem traição, tem egoísmo, mas esse não é o ponto). Somos egoístas sobre o amor porque só nos importamos com as nossas próprias experiências românticas, ou falta delas.


Sinceramente? Ninguém dá a mínima se você acha que alguém sem experiências românticas deveria se inscrever em um site de namoro, mudar o cabelo ou adotar um poodle e usar um hábito de freira. Mesmo porque, qualquer plano que alguém com o mínimo de experiência romântica venha a ter, já foi adotado em algum grau por quem já quis ou quer ter experiências românticas. Ponto! Seu ponto de vista não é uma novidade.


Ninguém te conta que o amor floreado de família e amigos nunca vai suprir a necessidade do amor romântico. Se você não é uma pessoa assexual e não tem essas experiências românticas, isso vai doer para o resto da vida. E vai doer porque é incurável, e também não tem resposta.


Da mesma forma que o amor romântico não tem resposta para ser. Ele não tem resposta para não ser. Ponto final. Nenhum amor tapa esse buraco, e quanto mais velha se fica, mais difícil as possibilidades. Não dá para fingir um flerte inocente no cinema ou andar de mãos dadas para comprar uma casquinha do McDonald’s com 20, 30, 40 ou 50 anos. Qualquer pessoa minimamente interessada em fazer esses programas com alguém dessa idade vai estar pensando no pós, no sexo, no futuro — mesmo que a curto prazo, que seria a duração de colocar a calça de volta, pagar o motel e vazar.


Algumas experiências passam, se perdem e são impossíveis de serem recuperadas. E não existe receita para não terem acontecido, assim como não existe receita mágica para reverter o quadro terminal de um amor natimorto. E Dolly Alderton é um pouco babaca porque sempre ter olhado para o amor por essa perspectiva egoísta de que, se ela e suas amigas mais próximas tiveram amores românticos, a falta dele por opção própria pode ser suprida por amores filiais, fraternais e amistosos.


Olive Marie ♥