GALATEA DAS ESFERAS: A FÓRMULA FEMININA DO SUCESSO

 




Não sei quando foi que eu conheci Dalí. Revisitei todos os meus diários da infância, mas não anotei a data exata, nem mesmo o ano. Não há menção de suas obras em meus diários, até eu ter quinze anos.


O fato é que me lembro quando vi sua obra pela primeira vez. Sei que foi em uma aula de língua portuguesa, sobre interpretação de texto, antes de entrar no ginásio (ou seja, antes do que hoje chamam de 6º ano, e na época era 5ª série). Foi sua obra mais famosa que vi, em uma apostila, para ilustrar o trecho de sua vida que íamos interpretar.


E a questão é que eu sei a razão de não ter mencionado Dalí em meus diários: não fui impactada por sua obra. “A Persistência da Memória” é uma ótima pintura, é profunda e tudo isso, mas eu não acho lá essas coisas…


Porém, com quinze anos, tenho uma anotação sobre “Galatea das Esferas”. Isso porque foi a primeira vez que eu ouvi algo sobre Dalí ser casado, sobre ser um romântico. Foi a primeira vez também, que eu vi um pintor pintar uma esposa que teve por toda a vida. Isso foi uma novidade completa na época.


GALA: UMA HISTÓRIA


Nascida em Kazan e criada em Moscou, Gala se chamava, na verdade, Elena Gomberg-Diakonova. Dez anos mais velha que ele e apelidada de Gala por seu primeiro marido – o poeta Paul Éluard –, Elena era uma mulher racional, inspiradora e decidida.


Foi casada por doze anos, teve uma filha que nunca conseguiu amar e se apaixonou por Dalí com certa irritação. Ela o achava irritante e excêntrico, mas foi por ele que decidiu abrir mão da vida garantida na Europa e se mudar para os EUA. Foi ele quem ela fez se tornar famoso.


Antes de conhecê-la, Dalí tinha sido abandonado pelo pai à própria sorte. Justamente por ser excêntrico, ele tinha sido deserdado, estava vivendo como uma artista boêmio decadente. Foi Gala quem o ergueu das cinzas depois do casamento, se mudando com ele para os EUA e o colocando em galerias.


Ela fez trabalho de agente para ele, vendendo suas obras e o fazendo criar nome no mercado. Por ser produtora e agente profissional, Gala foi capaz de chamar a atenção das galerias de forma mais eficiente, fez o nome de Dalí ganhar mídia, e gradualmente enriqueceram e fizeram nome no cenário popular da época. Foi ela que o tornou mundialmente conhecido.


O casamento durou 53 anos, com ambos tendo amantes (as relações matrimoniais de Gala eram abertas), mas sempre felizes. O próprio Dalí disse que era como uma Lua de Mel sem fim. Segundo ele, Gala tinha tendências sádicas e foi ela quem pediu, quando ele lhe deu um castelo medieval de presente, quem disse que não o queria na casa, até que ela mesma o convidasse por escrito.


Gala faleceu aos 88 anos, mas jamais se separou de Dalí – no profissional ou no pessoal. Mesmo com as brigas e a paixão esfriada, mesmo com os amantes e com as saudades dele, Gala e Dalí sempre foram uma dupla.


GALATEA DAS ESFERAS


Quando falamos de arte, temos que pensar em períodos e em momentos históricos. É indiscutível que façamos observações sobre vanguardas e sobre até onde nossos artistas preferidos foram capazes de chegar.


Longe de mim dizer que Dalí está entre meus preferidos, porque sinceramente não está. Gosto de sua arte, mas de forma moderada. Ele é um ótimo pintor, mas também é meio cansativo, repetitivo. Não um repetitivo sentimentalista, mas um repetitivo mimado, até meio tolo e entediante.


Mas “Galatea das Esferas” é impactante. Faz realmente sentido, tem provocação e cria uma observação peculiar sobre ciência. E arte baseada em ciência, por si só, já é provocativa.


Por ter sido feita na sua época de estudos sobre movimentação nuclear, essa obra também marca um período histórico. Tem a ver com a Segunda Guerra, sobre as bombas nucleares, sobre o impacto de todo o mundo se movendo ao mesmo tempo para uma nova organização política… “Galatea das Esferas” é uma obra que conta mais do que aparenta.


Também conta sobre o amor de Dalí por Gala… A fragmentação ao passar dos anos, o envelhecimento e o distanciamento, a força dos impactos da própria história na relação, e também o impacto do cotidiano.


O AMOR CONTADO PELOS HOMENS


Se o cotidiano quebra o espaçamento amoroso, se os átomos se dividem e mostram Gala fragmentada pela sua delicadeza visual, algo mais interessante é contado por essa obra de Dalí…


Usualmente, os homens não pintam o amor. Eles pintam paisagens (como Monet), ou pintam a degradação de sua sanidade (como Wain), ou sua visão sobre o mundo ao redor (como Van Gogh), ou a excentricidade humana (como Magritte). Pintar musas, como muitos fizeram, não é pintar o amor.


Sobrou, historicamente, para o feminino essa tarefa. Foram as mulheres que realmente escreverem sobre o amor – os homens, em sua maioria, escrevem sobre sexo e sobre relações amorosas em busca do sexual. As mulheres também pintaram sobre o amor. Cantaram sobre o amor. Lutaram, politicamente, pelo amor. Porque o amor, segundo dizem, é algo feminino.


Ao pintar Gala como uma musa, Dalí se repetia ao que os homens já faziam há séculos. Ao escolher pintar Gala como sua única musa, Dalí contou uma história.


Ele deixou de tentar contar histórias sobre a mente humana, sobre a sobriedade da arte e sobre o cotidiano catalisador das artes. E passou a pintar o amor. Talvez não o amor monogâmico, romântico e idealizado que estamos habituados, como sociedade, a reconhecer. Mas pintou o amor.


Gala foi o amor da sua vida. Dalí foi o amor da vida inteira dela. E a fórmula do sucesso dele foi, justamente, amar. Compartilhar o amor do seu ser e o tempo de toda a sua vida com a pessoa que mais foi capaz de entendê-lo emocionalmente, mesmo que não artisticamente.


Isso, por si, é algo novo de verdade. Algo que vale a pena ser notado e apreciado em um contexto maior… Afinal, por que Dalí não deveria pintar Gala e fazer dela sua principal inspiração? Foi ela a sua fórmula do sucesso. Gala fez por ele o que ninguém mais teria feito. E ele foi sensível o bastante para admitir isso.


Talvez Gala e Dalí sejam a verdade do ditado: “atrás de todo grande homem, existe uma grande mulher”. Porque, no fim, são as mulheres que são grandes, mas a sociedade não está pronta para encarar esse fato.


Olive Marie ♥

Postagens mais visitadas deste blog

SRTA. AUSTEN: AS MULHERES POR TRÁS DE LENDAS

AS DUAS FRIDAS: A ARTE SOBRE MULHERES