ZARINA HASHMI: ONDE O ORIENTE ENCONTRA O OCIDENTE

 




Em junho do ano passado, me descobri apaixonada por descobrir uma nova mulher na arte. E isso aconteceu porque o Google fez uma homenagem para Zarina Hashmi em sua página inicial, e por isso decidi dar uma pesquisada sobre a arte dela.


Duas horas foram o bastante para entender que amava sua arte, admirava sua história e que qualquer homenagem seria pouco. Especialmente porque Zarina Hashmi quase não teve impacto em países ocidentais, exclusivamente por sua origem e pelo preconceito ao redor de certas etnias no meio artístico.


Mesmo com baixa visibilidade em países ocidentais – ainda menos em países da América Latina –, Zarina Hashmi construiu uma história importante ao seu redor, serviu de exemplo para a compreensão da mulher como um indivíduo único, e valorizou sua própria essência.


A INFÂNCIA DA INDEPENDÊNCIA


Nascida em Uttar Pradesh, em julho de 1937. Sua família vivia bem, dentro de uma renda razoável e com possibilidades promissoras, mesmo com o sistema de castas do país. Mas com a independência indiana contra o Reino Unido, as coisas mudaram de cenário.


1947 foi um ano de reviravoltas políticas na Índia, e com a independência, um novo sistema de organização política se formou. O que chamamos de Partição da Índia, assolou o país com efeitos similares ao Muro de Berlim na Alemanha, e famílias inteiras se mudaram e se dividiram, de acordo com suas respectivas religiões.


Com a criação do Paquistão e a Índia sendo transformada nessas duas potências soberanas em si próprias, as tensões e os conflitos internos começaram a crescer. Enquanto a maioria muçulmana tomava o Paquistão como seu país principal, os grupos hindus partiam para a Índia independente. A família de Hashmi partiu para o Paquistão, para se afastar de tensões hindus e se sentir mais livres sobre quem eram e a fé que seguiam.


Como se a invasão britânica já não tivesse ocultado tanto de toda a cultura local, anos e anos antes, a nova distribuição social criava fronteiras às pressas, causava destruição e mortes, empurrava pessoas para a miséria e retirava direitos civis e sociais básicos de imigrantes, tanto dos que saiam do Paquistão rumo à Índia, quanto dos que saíam da Índia rumo ao Paquistão.


Foi na infância, provavelmente tocada e sensibilizada com os traumas da guerra civil, que Zarina Hashmi se apaixonou por estilos de vida minimalistas – que seriam o foco principal da sua arte no futuro – e passou a enxergar todos os corpos como estados políticos.


ÍNDIA / PAQUISTÃO / MUNDO


No início da vida adulta, Zarina Hashmi se casou com um diplomata estrangeiro (que, infelizmente, não descobri o nome nem a origem) e ganhou o poder de viajar o mundo. O trabalho do marido a empurrava por países com culturas diversas e línguas estrangeiras. E foi nesse momento que a arte começou a crescer dentro dela com ainda mais força.


Com a estadia no Japão, em razão do casamento, Hashmi aprendeu sobre gravura. A arte de gravuras tradicionais japonesas eram criadas a partir de bases rígidas, como madeiras e pedras grossas. O entalhe, completamente feito à mão, era talhado direto sobre o material e passou a ser um interesse da artista, e foi aprendido e aplicado em sua arte.


Do Japão, Zarina Hashmi viajou para Nova York, para se instalar por lá. Com o a nova vida nos EUA, ela conheceu e se uniu à revista Heresies Collective, onde ideias feministas se aplicavam diretamente com justiça social e arte.


Já nos seus primeiros anos lá, Hashmi também organizou exposições sobre artistas do Terceiro Mundo nos EUA e passou a lecionar arte no Instituto de Arte Feminista de Nova York.


Em termos de arte, suas criações eram feitas na madeira, como carimbos, com o intuito de demonstrar lugares e casas em que viveu ao redor do mundo – mesmo para além da longa estadia no Japão. Junto das imagens, Zarina Hashmi tinha o hábito de colocar inscrições em seu idioma natal, o urdu, assim como elementos islâmicos como referências geográficas.


FINALMENTE A ARTE


Foi apenas em 2011, depois de muitos anos vivendo em Nova York, que Zarina Hashmi passou a ter um reconhecimento artístico realmente relevante. Foi convidada a fazer parte da Bienal de Veneza, que reúne artistas de todos os cantos do mundo para exposições completas.


O foco da Bienal é a arte contemporânea, e Hashmi foi uma das quatro artistas femininas. Sua função era representar a Índia, e foi isso que abriu portas internacionais para outras exposições e grandes galerias. Hashmi teve sua obra exposta em museus de Paris, Londres, Nova York e Nova Deli.


Por questões de saúde, Zarina Hashmi faleceu em abril de 2020 (não por COVID), em Londres. Mas sua arte não sumiu com ela; pelo contrário.


Reconhecida como uma artista contemporânea que integrou o feminismo e ajudou a moldar os espaços de arte para mulheres de religiões e etnias marginalizadas, Hashmi continuou tendo impacto mesmo depois de seu falecimento. Sua arte minimalista pode ser abertamente interpretada pelos olhos de imigrantes, de expatriados. 


O encontro da perspectiva indiana, do completo Oriente, para nossa visão ocidental sobre o mundo ao nosso redor pode não ter um choque grande na obra de Hashmi a primeira vista, mas tem lá suas ligações sociais e curiosas. A começar pela percepção dela sobre nós, como povos “privilegiados”, mesmo dentro de culturas marginalizadas.


Como um todo, a obra de Zarina Hashmi resistiu ao tempo e cresceu milagrosamente na visão de arte, dando voz para artistas indianas para o Ocidente, e nos fazendo ver muito mais do que o superficial do que a mídia nos vende.


Olive Marie ♥