EMMA REYES: DUAS LATINAS NA PELE

 




Conheci Emma Reyes há poucas semanas quando, não sei como, fui parar em uma matéria sobre ela no Correio IMS. A matéria de Elvia Bezerra me deixou fascinada!


Descobrir sobre a América Latina é algo que todos nós ainda estamos fazendo. Os anos de colonização e o pensamento hiper idealizado, seguidos do sucesso estadunidense no cenário internacional, tornou as Américas apenas duas. Ou somos um reflexo do sucesso opressor estadunidense ou a miséria deixada pela Espanha e por Portugal nos países centrais e do sul.


Surpreendentemente, Emma Reyes é um reflexo intenso dessas duas Américas. Primeiro como mulher latina subjugada, e depois como mulher bem sucedida que chegou aos ouvidos internacionais.


O RETRATO DE MULHERES LATINAS


Ser mulher já é difícil, mas ser periférica e latina (pensando no cenário mundial) é ainda mais. De um modo geral, a América Latina se empata com a África na disputa de continentes com mais países que mais sofreram (sofrem ainda, na verdade) com ditaduras, e isso porque países mais ricos tendem a apoiar movimentos ditatoriais para lucro próprio. E entre os países mais desiguais do mundo, temos a Colômbia.


Os impactos da Primeira Guerra Mundial ainda refletiam em todos os cantos do mundo (inclusive, aqui na América Latina), ditaduras começavam a surgir, a tensão EUA x Rússia se iniciava gradualmente (já que foi no início do século XX que o socialismo ganhou força na Rússia, o que gerou a criação da URSS), e discussões políticas se acirraram nas Américas. E foi nesse cenário caótico, em 9 de julho de 1919, em Bogotá, que nasceu Emma Reyes.


Com um cenário social nada promissor e apenas com uma irmã mais velha (Helena) para se agarrar, Emma viveu toda a sua infância nas ruas. Como órfãs, as duas tiveram a ajuda de uma moça para que a miséria fosse combatida. Foi Emma quem relatou o quanto a moça María as educava e auxiliava ao lidar com a absoluta miséria.


Foi por volta de seus 15 anos, mais ou menos em 1934, que as irmãs Reyes não puderam mais viver com María. Helena e Emma foram recolhidas por uma casa para jovens de rua administrada por freiras. O lugar era um tipo de convento, e Emma passou a trabalhar pesado, tendo a percepção de como era um orfanato. E foi lá onde Emma Reyes se sentiu, pela primeira vez, amada de verdade por alguém.


APESAR DA IRMÃ MARÍA


Uma das freiras do local, também chamada María, foi uma grande responsável por fazer de Emma uma jovem capaz de reconhecer o afeto familiar. No entanto, apesar do carinho que tinha pela irmã María, Reyes fugiu do convento aos 19 anos.


Entre todas as especulações que se pode fazer, fontes dizem que as irmãs Reyes foram abandonadas no convento aos 5 anos e não aos 15 de Emma. Também se confundem as informações sobre a irmã María ser a primeira María que as criou. Ou que, talvez, aquela primeira María seria, na verdade, sua mãe… Mas, independente de como se apresentem as versões de história, o fato é que o convento foi mais do que apenas uma experiência traumática.


Em seus anos vivendo na clausura, Reyes foi exposta a condições de abandono e abuso, passando uma média de 10 horas realizando trabalhos pesados e muito longe da alfabetização básica.


Com a fuga aos 19 anos, Emma Reyes se estabeleceu primeiro na Argentina. Ela também viver no Chile e no Uruguai, e foi nesse período que se apaixonou pela arte e começou a pintar e aperfeiçoar seu trabalho. Seu foco principal, desde então, passou a ser a representação de suas memórias e de cenas cotidianas de países da América Latina.


O renome chegando em países falantes de língua espanhola fez Emma Reyes criar confiança em si mesma, e depois de se inscrever em um concurso internacional e ficar famosa na França, decidiu partir e viver nos países de primeiro mundo, sempre disposta a melhorar suas qualidades artísticas. Foi nesse momento que, pela primeira vez, as expectativas pessoais criadas por sua infância miserável ultrapassaram os limites, e Reyes começou a deixar para trás – e exclusivamente para sua arte – a miséria de uma das Américas.


DE UMA PONTA À OUTRA


Como Paris é a capital da arte, foi lá que Reyes foi reconhecida primeiro. Mas antes de se estabelecer no país que a acolheria por 30 anos, Emma Reyes se mudou para os Estados Unidos, convidada a trabalhar no departamento cultural da UNESCO, em Washington, onde conheceu e trabalhou com Diego Rivera.


Mas Reyes era uma mulher feita para curtir o mundo, e depois de suas experiências nos Estados Unidos e o tempo com o casal Rivera (afinal, Reyes conheceu Frida Kahlo, apesar de não terem se tornado amigas), ela partiu para Israel e depois para a Itália. Ao todo, viveu em 10 países diferentes ao longo da vida, mas foi a França sua principal casa.


Em seu círculo de amigos, Reyes colecionou nomes como colecionou casas em seu passaporte. Foi amiga de Fernando Bottero e Germán Arciniegas, além de Jean-Paul Sartre e Gabriel García Márquez.


Já estabelecida como pintora e com uma carreira consolidada na arte, Emma dedicou muito de seu tempo entre 1969 e 1997 a escrever cartas sobre sua infância e adolescência como meio de praticar sua escrita. Foi Arciniegas quem apresentou o trabalho escrito de Reyes para Gabo, e com o incentivo de ambos, ela passou a ser autora, além de pintora.


Nas cartas, Emma contava suas experiências na extrema miséria de Bogotá, sua infantilidade em lidar com todas as suas vicissitudes desses primeiros anos de vida, assim como também escreveu sobre o tempo no convento e as inseguranças em relação a si mesma e a realidade ao seu redor.


Emma Reyes faleceu em 2003, na França, e a publicação póstuma de suas memórias chegou em 2012, já com tradução para vários idiomas. No Brasil, o título de suas memórias epistolares é “Memória por correspondência”. Infelizmente, a obra não ficou tão popular quanto merecia.


Ainda assim, Emma Reyes é reconhecida internacionalmente como uma das principais vozes da América Latina. Sua herança artística relembra o mundo das dores de povos renegados e marginalizados, entregues à própria sorte por monarquias colonizadoras que destinaram povos inteiros a misérias intermináveis. 


Olive Marie ♥